Até o momento, o poder e a voz do Brasil nas questões de negociações sobre o clima estiveram notadamente ausentes.Ainda que participe ativamente dos debates internos das Nações Unidas, o comprometimento do país com um nível político mais amplo tem sido limitado.
No entanto, um dos dados mais surpreendentes de uma pesquisa de opinião realizada globalmente este ano foi o de que os brasileiros são os que mais estão convencidos da magnitude dos problemas relacionados ao clima. Por que, então, o Brasil não está fazendo mais por um acordo internacional abrangente e justo?
E o que mais ele poderia fazer para que as negociações avancem na próxima conferência climática da ONU, COP-16, em Cancún, México, no fim deste mês? Ainda que saibamos que nenhum país sozinho move moinhos, especialmente em negociações tão complexas como as do clima, uma nação com estaturas político e econômica consideráveis no cenário mundial, como as do Brasil, pode e deve fazer mais.
Como? Um exemplo concreto está no financiamento climático. A COP-16 deverá tomar decisões sobre a maneira como países em desenvolvimento, especialmente os mais vulneráveis, poderão acessar recursos para implementar políticas de enfrentamento dos efeitos resultantes do aquecimento global. Espera-se que os mecanismos acordados digam respeito a fundos públicos, que contem com recursos novos e adicionais aos existentes. O compromisso, inédito, assumido pelos países ricos em Copenhague de mobilizar 100 bilhões de dólares por ano até 2020 define a escala do desafio.
O grupo de alto nível que assessora o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, concluiu recentemente que a mobilização desses valores é viável. E mais: está emergindo entre os países um consenso, ainda que frágil, sobre a criação de um novo fundo, no marco da Convenção do Clima das Nações Unidas, para a administração de tais recursos.
Para ajudar a transformar possibilidades em realidade, os negociadores brasileiros precisam se engajar em três frentes: primeiro, defender que os recursos alocados para ações de adaptação aos impactos humanos das mudanças climáticas sejam, de fato, adicionais aos já destinados a ajuda ao desenvolvimento e que sejam canalizados como doações e não empréstimos.
Juntamente com África do Sul, China e Índia, o país sublinhou a importância de assegurar que o financiamento do clima, como o destinado aos compromissos de mitigação, sejam utilizados em ações que possam ter seus resultados demonstrados, mensurados e verificados de maneira aberta e transparente. Agora é a hora de o Brasil dizer como.
Segundo, participar mais ativamente do debate sobre fontes alternativas para o financiamento climático. É verdade que a maior responsabilidade dessa conta é dos países industrializados como os Estados Unidos, a Comunidade Europeia e o Japão. No entanto, está claro que recursos efetivamente “novos e adicionais” deverão vir de fontes ainda inexploradas como, por exemplo, as taxas sobre a navegação e a aviação internacionais. O Brasil tem o direito de argumentar que os seus interesses comerciais não devem ser afetados por tais medidas, mas existe uma diferença entre os compromissos que o país deve assumir e sua obrigação de ajudar no andamento das negociações.
A única forma de proporcionar o financiamento necessário para os países mais vulneráveis, respeitando-se o princípio de responsabilidade comum, porém diferenciada, é o Brasil também participar ativamente do debate.
Por fim, o governo brasileiro precisa aproveitar o seu peso político para alavancar em Cancún a criação de um fundo climático público, efetivo e legítimo. Historicamente, o Brasil tem sido ator-chave para as negociações climáticas. As delegações estrangeiras regularmente recordam as “propostas brasileiras” que marcaram as conversações na década de 1990, bem como a criação do atual Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL, ainda que imperfeito).
Foi também um brasileiro quem presidiu as negociações climáticas da ONU durante anos pavimentando o caminho para a COP-15, realizada em 2009. Assegurar ganhos reais este ano em Cancún nessas três frentes apresentadas aqui contribuirá para consolidar a posição de liderança global do Brasil.
Pode também demonstrar o seu comprometimento em promover a justiça social internacionalmente – a começar pelos seus vizinhos na América Latina e Caribe, que são cada vez mais afetados por impactos do clima e que precisam de novos recursos para superá-los.
Antonio Hill é assessor de Políticas para América Latina e Caribe da organização não governamental Oxfam.
(O Globo, EcoDebate, 19/11/2010)