Os governos do Acre, Califórnia e Chiapas (México) assinaram ontem, em Davis (EUA), um memorando de entendimento para discutir as bases de um possível acordo de comércio de créditos oriundos de iniciativas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). A ideia é gerar créditos de carbono a partir de projetos de reflorestamento, recuperação e manejo florestais no Acre e em Chiapas e vendê-los na Califórnia dentro de um sistema de compensação de emissões de gases de efeito estufa. (Veja o documento na íntegra, em inglês).
O memorando cria um grupo de trabalho com representantes dos três estados para discutir, até outubro de 2011, critérios de avaliação e aprovação de projetos de REDD. As recomendações serão submetidas à agência californiana relacionada às mudanças climáticas, mas o documento afirma que elas devem ser elaboradas de forma a auxiliar o desenvolvimento de programas de REDD em outros países.
Em janeiro de 2012, passa a vigorar a legislação sobre clima, com metas de redução de emissões, que vai regular a comercialização de créditos de carbono na Califórnia. De autoria do governador republicano Arnold Schwarzenegger, a lei foi referendada em plebiscito nas últimas eleições legislativas dos EUA, perdidas pelo governo democrata do presidente Barack Obama.
O governo federal ainda não definiu sua política de REDD e já há estados se antecipando. Isso reforça a necessidade de termos um marco legal nacional sobre esse tema, afirma Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA. Ele acha que o documento assinado ontem pode influenciar positivamente as negociações internacionais sobre mudanças climáticas. Na ausência de regras definidas na ONU e na falta de perspectivas de aprovação da lei nacional dos EUA, o memorando é uma demonstração de que há demanda para REDD e de que os vazios legais sobre o assunto precisam ser preenchidos.
A parceria é o primeiro resultado concreto da Força-tarefa dos Governadores sobre Clima e Florestas. Criada em 2008, ela reúne 14 estados e províncias do Brasil, EUA, México, Indonésia e Nigéria. A iniciativa é citada como referência no documento assinado ontem e é integrada pelos governos do Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Mato Grosso.
Buscamos consolidar o desenvolvimento sustentável por meio de uma economia de baixo carbono e alto capital social. Essa parceria possibilitará nossas economias crescerem e enfrentarem as mudanças climáticas, afirmou o governador do Acre, Binho Marques.
A assinatura do documento coincide com a adoção pelo Acre, em outubro, de uma lei sobre o pagamento por serviços ambientais. A norma prevê incentivos para a proteção da floresta e a geração de créditos de REDD. Em 2008, o estado adotou uma meta de diminuição do desmatamento calculada com base na meta nacional de redução de 80% da taxa de toda a Amazônia até 2020.
Flexibilidade
Mesmo sem gerar obrigações legais entre os estados envolvidos, o memorando ganha importância frente o quadro desanimador das negociações internacionais causado pela polarização entre países ricos e pobres. Nos círculos diplomáticos, a expectativa é que um acordo com força de lei sobre mudanças climáticas não saia antes de dois anos.
Abrir uma discussão sobre recomendações pode parecer vago. Mas a flexibilidade permitida pela ausência de vínculo jurídico pode possibilitar pular obstáculos que uma negociação mais formalizada poderia criar, afirma Steve Schwartzman, diretor de Políticas de Floresta Tropical do Fundo de Defesa Ambiental (EDF, na sigla em inglês), organização não governamental que acompanha o tema nos EUA e sócio fundador do ISA. O EDF saudou a parceria como uma conquista histórica.
Schwartzman diz que viabilizar um sistema interestadual de comercialização de créditos de carbono entre países vai depender muito de como será regulamentada a lei da Califórnia, mas acha que as perspectivas são boas. Ele acredita que o novo governo californiano eleito (democrata) deverá manter a orientação geral das políticas de meio ambiente da administração atual.
O diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, considera um avanço o fato da parceria focar esforços na definição de parâmetros práticos. Ele julga que as iniciativas sub-nacionais de regulamentar programas de REDD são importantes para gerar experiências-modelo, mas têm limites: o limite em que será necessário estabelecer um regime internacional para remunerar os países tropicais pela conservação de suas florestas.
Moutinho concorda que o memorando pode ter impactos positivos sobre as negociações internacionais e, ao mesmo tempo, precisa ser entendido pelo governo federal como uma sinalização política. Acho que é uma oportunidade, uma janela que se abre. Se as ações do Acre e de outros estados forem integradas e ajudarem a criar um regime nacional de REDD, isso vai nos possibilitar cumprir a meta nacional de redução de emissões de gases de efeito estufa e entrar com o pé direito numa economia de baixo carbono.
O que é REDD?
REDD é como foi batizado o mecanismo em discussão na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) para compensar os países em desenvolvimento por reduções em suas emissões oriundas do desmatamento e queimadas. Ele é considerado a grande contribuição potencial dessas nações para o próximo acordo internacional de clima. O termo REDD+ relaciona-se com necessidade de definir compensações também pela conservação da biodiversidade, manejo sustentável das florestas e o aumento dos estoques de carbono.
(Por Oswaldo Braga de Souza, ISA, 19/11/2010)