A revista britânica "Nature" publica nesta semana uma entrevista reveladora com Phil Jones, climatologista que se tornou o pivô do escândalo conhecido como "Climagate" há um ano.
Acusado de manipular e ocultar dados e de distorcer a ciência ligada ao aquecimento global, a partir de e-mails furtados por hackers dele e de seus colegas, Jones foi inocentado. Conta que recebeu ameaças, que pensou em suicídio e que, por alguns meses, só dormia com a ajuda de remédios.
O abatimento de Phil Jones mostra como o pesquisador médio está mal preparado para enfrentar a guerrilha movida pelos "céticos do clima", que defendem que o aquecimento causado pelo homem não existe.
Eles têm por objetivo central plantar uma semente de dúvida na ciência do clima, no que são auxiliados pelas incertezas inerentes à atmosfera. Bombardeiam os adversários com questionamentos e pedidos de informação, a fim de garimpar deslizes que possam tornar-se munição.
No caso dos e-mails furtados dos servidores da Universidade de East Anglia (Reino Unido), onde Jones chefiava a Unidade de Pesquisa de Clima (CRU, na sigla em inglês), funcionou por algum tempo. Comentários cruéis, frases ambíguas e recomendações maliciosas davam verossimilhança à tese de que a CRU participava de uma conspiração para fraudar a ciência e calar os "céticos".
Jones afastou-se do cargo. Foi investigado por mais de uma comissão. Nenhuma encontrou provas de fraudes, embora ainda não esteja afastada a hipótese de que ele tenha apagado e-mails eventualmente comprometedores. Jones passou na prova, mas raspando, porque o conteúdo de algumas mensagens vazadas jamais enfeitaria a biografia de alguém.
Sonegar dados e sugerir destruição de mensagens destoam da ética de transparência em pesquisa, baseada na ideia de verificabilidade. Pode-se tentar explicar a atitude de Jones pela futilidade e insinceridade dos pedidos, mas não justificá-la.
Jones se deixou aprisionar pela lógica de guerra dos "céticos" e se pôs na defensiva. Só ele tinha algo a perder com isso. Daí todo o abalo.
Os "céticos" desferem seus ataques desde uma zona cinzenta, entre a periferia da pesquisa (há poucos cientistas atuantes na área em suas fileiras) e a franja de "think tanks" conservadores dos EUA. Malícia e táticas de propaganda não lhes mancham a reputação, em especial se bem sucedidas.
A ciência do clima é importante demais para permanecer refém desse conflito.
Se a maioria dos climatologistas considera desonestos os argumentos e táticas dos "céticos", estão obrigados a se aparelhar para combatê-los em público. E isso sem usar como recurso métodos e subterfúgios que lancem sombras sobre a credibilidade das relevantes respostas que buscam --e que aos negacionistas interessa desacreditar de antemão.
(Por Marcelo Leite, Folha.com, 18/11/2010)