Fenômenos climáticos extremos e principalmente a falta de água irão tornar ainda mais instável a região que já é um barril de pólvora e demonstram a necessidade da criação de tribunais internacionais para julgar o uso dos recursos naturais
O Fórum Árabe para Meio Ambiente e Desenvolvimento (AFED) divulgou um relatório na semana passada afirmando que o atual suprimento de água na região é equivalente a apenas 25% do que era em 1960.
Pela projeção da entidade, daqui a cinco anos os árabes terão somente 500 metros cúbicos anuais de água per capita, enquanto a média mundial será de 6000 metros cúbicos.
Para piorar a situação, fenômenos climáticos extremos estão cada vez mais freqüentes e ameaçam a economia da região. O Iraque sofre com tempestades de areia, Iêmen e Arábia Saudita com enchentes e a subida do nível do mar no Egito está preocupando habitantes de todo o litoral do país.
“Para uma região que já é vulnerável a muitas crises políticas e sociais, as mudanças climáticas têm o potencial de exacerbar as já quentes discussões e contribuir em muito para a instabilidade”, afirmou à Reuters Mohamed El-Ashry, ex-presidente da Global Environment Facility, um fundo de assistência para países em crise ambiental e climática.
Apesar das nações árabes não serem grandes emissoras históricas de gases do efeito estufa, o Oriente Médio é considerado uma das regiões mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o mundo árabe apresentou um aquecimento médio na temperatura do ar de 0,2˚C a 2˚C entre 1974 e 2004.
A densidade populacional é outro fator que deve aumentar a crise na região, a população irá chegar aos 600 milhões de pessoas até 2050.
Crescente Fértil
A luta pela água já é uma realidade e os debates entre os países estão cada vez mais difíceis.
Um dos grandes dilemas está em como salvar a região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates, chamada de Crescente Fértil e famosa por sua fertilidade em meio a um ambiente desértico. A área, que foi berço de importantes civilizações como a Babilônia e a Suméria, deve desaparecer ainda neste século por causa das mudanças climáticas e de políticas desastrosas, como a construção de barragens nos rios.
A tensão na região vem crescendo, o parlamento do Iraque se recusou a aprovar um tratado econômico com a Turquia a menos que o país limitasse sua exploração dos rios. Porém a Turquia não cedeu e construiu mais represas no Eufrates.
Se esses temas não forem rapidamente abordados, o futuro para os países árabes passará a ser a importação da água. Claro que quem irá sofrer com essa perspectiva serão os mais pobres, da mesma forma que hoje a população já sofre com o preço dos alimentos. A maior parte dos países árabes não é mais auto-suficiente nesse quesito.
“Ainda podemos ter esperança de um futuro melhor, mas precisamos agir agora para que em 10 anos tenhamos resultados. As pessoas ainda não se deram conta disso. Quando falamos em mudanças climáticas, elas pensam que os impactos serão na lua ou em outros países”, alertou Najib Saab, secretário-geral do AFED.
Direito Internacional
Com a perpetuação desses tipos de conflitos internacionais, transfronteiriços, sobre os recursos naturais, parece ser essencial a criação de um tribunal especializado em questões ambientais, de preferência transnacional e não interestatal.
Este último modelo é um tanto restrito ao acesso da população e os estados escolhem se implementam ou não as decisões proferidas pelo tribunal, já que eles mesmos o criaram, é o caso da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Atualmente, o âmbito internacional dos conflitos ambientais é tratado apenas indiretamente através de tribunais como a Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIADH), os dois transnacionais.
Para Paulo Potiara de Alcântara Veloso, doutorando do Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental na Sociedade de Risco na Universidade Federal de Santa Catarina, o meio ambiente é apenas um instrumento, não um bem em si de comprovação de dano individual ou conduta ilegal do estado.
“Não há interesse de proteção jurídica do meio ambiente”, ressalta Potiar
Ele cita o Caso Kyrtatos x Grécia, julgado no CEDH, onde os solicitantes invocaram a violação do Artigo 8 da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, devido à construção ilegal de empreendimentos imobiliários que degradaram uma área úmida próxima às suas residências e teria afetado o seu direito ao respeito à vida privada e familiar.
A CIADH considerou que neste caso as perturbações à fauna no pântano não poderiam se traduzir em ataque à vida privada dos solicitantes. Como o meio ambiente foi utilizado como foco da ação, ela foi negada, explicou Potiara.
Já no caso Lopez Ostra x Espanha, o peticionário e sua família sofreram problemas de saúde em decorrência do barulho, cheiro e fumaça provocados por uma estação de tratamento de lixo situada nas proximidades de sua casa, em Lorca. Neste caso, o meio ambiente não foi citado na ação julgada procedente.
No CIADH, o meio ambiente é defendido apenas como bem essencial à vida de populações indígenas (propriedade tradicional e ao direito à vida). Na semana passada o Movimento Xingu Vivo entrou com uma ação fundamentando no fato que as comunidades indígenas serão prejudicadas pela inundação da Usina de Belo Monte.
“Há necessidade de uma corte específica, que provavelmente tenderá para o modelo interestatal. Dificilmente os estados abrirão esta corte ao acesso dos indivíduos”, enfatizou Potiara.
(Por Fernanda B. Müller e Fabiano Ávila, Instituto CarbonoBrasil/Agências INternacionais, 17/11/2010)