Com o esfacelamento da esquerda internacional, a saída para a crise global pode estar no ambientalismo, no feminismo e na luta por direitos humanos. A opinião é do sociólogo francês Alain Touraine, que falou nesta terça-feira, em São Paulo, sobre a crise nos países europeus. Para ele, a esquerda internacional está em crise e, se não se recuperar, a Europa poderá viver momentos de violência e protesto.
- A Europa, local de todas essas reformas, não tem nenhum só governo de esquerda, com a única exceção da Espanha. Mas é tão fraco o governo de Zapatero que, se houvesse eleições amanhã, o PP ganharia as eleições. Na Europa acabou-se o tempo das reformas. Acabou-se faz tempo, já. Mas agora acabou o momento da social democracia. Todo mundo é social democrata, mas na verdade não é. É uma expressão que não tem mais conteúdo, mas é de pessoas simpáticas.
Sobre a esquerda, Touraine faz um veredicto sombrio:
- Essa decomposição internacional da esquerda é impressionante. A França é o primeiro país a ter uma extrema direita forte. O exemplo francês foi imitado primeiro pela Áustria e depois por outros, como os do Norte. Como Holanda, Dinamarca, Suécia, Suíça. Todos esses países são dominados por movimentos de xenofobia e islamofobia_ disse ele, completando: - Se não houver uma recuperação intelectual e política da esquerda, o que vamos ver é uma onda de violência de protesto.
Touraine defende que países como o Brasil podem instituir uma nova ordem mundial, neoeuropeia, cercada por princípios universalistas e menos financeiros.
- Criou-se um sistema econômico financeiro tecnológico fora do alcance de qualquer poder político, cultural ou social. Ninguém o pode tocar, nem (Baracak) Obama, nem o Fundo Monetário Internacional - afirmou Touraine, em palestra ontem na Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano):
- O problema de todos é saber que tipos de forças e processos podem resistir a esse mundo econômico financeiro globalizado. Quem pode se contrapor a uma lógica que não seja a da economia.
Mas, para o sociólogo, que já dirigiu a Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, há movimentos que podem "resistir à globalização como força desumana, desumanizante e que não tem outra lógica que não a de aumentar e defender seus próprios interesses":
- Uma das respostas é a ecológica. Não é um problema social, é um problema de vida ou morte. É notável o sucesso da ideia ecológica. É um movimento de massa e a maior parte de nós estamos convencidos de que não há que dar a vitória à produção sobre a natureza.
Também não se deve destruir a economia em prol do meio ambiente, mas reconstruir um mundo social. O segundo movimento é o feminismo. Em meus estudos, demonstram que as mulheres, porque foram dominadas pelos homens nesse mundo muito polarizado, tem uma grande capacidade de pensar o mundo reintegrado.
O terceiro movimento, segundo Touraine, é a defesa dos direitos humanos.
- O indivíduo tem a força não social e é quem pode resistir a uma economia não social.
Ele pode se reconstruir como um elemento puramente econômico. No entanto, é que estamos observando em muitas partes do mundo a volta de um conceito que foi tão importante e que desapareceu: a questão dos direitos humanos.
Formou-se um tipo de bloco que não se defende apenas os direitos humanos e sociais, o direito de ter direitos. É o direito de ter direitos contra os interesses. Contra o mundo dos interesses que triunfa em muitas partes, também em muitas partes se vê o fortalecimento dos movimentos de oposição em nome dos direitos.
O sociólogo, no entanto, aponta que há uma tendência de criar-se não os movimentos sociais, mas os movimentos morais.
- A definição da situação que se vê na Europa e em outras partes do mundo é esse neoindividualismo - aponta Touraine, para quem os direitos humanos, o feminismo e o ambientalismo não ganham eleições: - Não é possível ganhar uma eleição com essas ideias, mas sem essas ideias não há reconstrução possível de uma nova sociedade.
Sobre o neoeuropeísmo, Touraine diz acreditar que ele não ficaria circunscrito à própria Europa:
- A América Latina não existe. É uma invenção linguística. Mas o Brasil, sim. É mais provável que possa renascer (no Brasil e em outros países) uma civilização do tipo europeu, com princípios universalistas.
(Por Tatiana Farah, O Globo, 17/11/2010)