Uma conhecida advogada, com ótimo nível de vida, contou que sua filhinha teve de baixar hospital, semana passada, com o diagnóstico de virose gastrointestinal por água contaminada. Sem que fosse possível identificar a origem da água porque, como explicaram os médicos, “poderia ser até de um cubo de gelo em um suco que ela tomou em algum lugar”. Não se sabe quantas pessoas podem ter tido o mesmo problema de saúde, na região metropolitana do RS, já que as informações hospitalares disponíveis habitualmente são sobre os casos individuais, a não ser nas doenças para as quais há notificação obrigatória à Secretaria da Saúde.
Essa semana, a Fepam identificou a mortandade de cerca de 10 mil peixes no Rio dos Sinos, no trecho entre Novo Hamburgo e São Leopoldo. O fato não recebeu maior destaque no noticiário, talvez por estar sendo visto apenas como a reedição de algo que já ocorrera e fora amplamente noticiado anos atrás, “a mortandade dos peixes do Sinos”, cuja repetição já vinha sendo prevista pelos profissionais que fazem análises nesta área.
A tragédia pessoal que chocou a todos, recentemente, foi a morte do jovem por culpa de uma rede de pesca em local de surfe. Nos vemos nessa tragédia, imaginamos a dor da família, que poderia ser a nossa. A revolta que sentimos é por nos colocarmos no lugar dos familiares e desse jovem que deveria estar vivo, não fosse a irresponsabilidade criminosa que deixou a rede naquele local, sem sinalização inclusive.
Há tragédias das quais não chegamos a ficar sabendo, ou não as identificamos como tal, por não aparentarem uma relação tão direta entre causa e efeito. Não temos uma notícia completa e contundente, por exemplo, de uma criança que tenha sucumbido por água contaminada, para que isso provoque em nós o impacto emocional e a indignação como o que despertou a morte do jovem no mar. As responsabilidades também são mais difusas porque, segundo a própria Fepam, ainda não há o resultado definitivo sobre a causa da contaminação do rio, embora haja indícios de intoxicação por produtos químicos (o que difere da mortandade provocada por esgotos domésticos despejados no rio, que causam a asfixia dos peixes).
No caso do Rio dos Sinos, foram agora mais 10 mil peixes que morreram, mas não temos a informação da morte de uma pessoa pelos mesmos motivos. Apesar de ser a mesma água que bebemos, queremos acreditar que o tratamento da água está sendo eficiente e que não estamos correndo riscos de doenças. Mas, para os profissionais que trabalham pesquisando e avaliando a qualidade das nossas águas, a situação de toda a bacia do Guaíba é extremamente preocupante. O que falta acontecer, para levarmos isso a sério ?
Montserrat Martins, Psiquiatra, é colunista do EcoDebate.
(EcoDebate, 16/11/2010)