Houve um momento em que os cariocas iniciaram um movimento chamado "Basta!". Fiquei entusiasmada, acreditando que, finalmente, acordariam desse entorpecimento diário de praia, chope e futebol. Infelizmente, o "Basta!" bastou-se por si mesmo e não deu em nada. Nos noticiários do mundo vemos povos que se mobilizam pelos temas que julgam importantes, lutam muitas vezes de forma condenável, mas não arrefecem.
Observando o povo brasileiro, especialmente o carioca, vejo uma apatia estarrecedora. Quando vemos a massa nas ruas do Rio? Somente nos blocos carnavalescos, nas paradas gays e na escolha da cidade para sediar a Copa e as Olimpíadas. Quando será que essa população, que sai como louca da cidade e enforcando dias úteis para aproveitar mais um feriadão como se fosse o último de suas vidas, entenderá que não adianta ficar reclamando de braços cruzados, sentada à mesa do restaurante da moda? Reclamam de tudo de errado que acontece na embaçada Cidade Maravilhosa mas nada fazem para, exercendo sua cidadania, dar um verdadeiro basta às situações que nos fazem ter uma péssima qualidade de vida.
Está na programação do Discovery Chanel atualmente, um documentário que vai discutir se o Rio de Janeiro estará preparado para os eventos futuros. Os olhos do mundo, com certeza, verão imagens da violência urbana que deveriam nos encher de vergonha. Não tenho dúvidas de que o nosso lado mais sombrio, aquele que o carioca esquece nas suas rodas de samba, serão expostos fidedignamente. Assim como tenho certeza que nossas incompetentes autoridades farão uma maquiagem, atingirão metas aos trancos, virando a cidade de cabeça para baixo. Uma cidade que não dá conta de buracos nas ruas, camelôs e flanelinhas e vai gastar rios de dinheiro para executar obras que não atendem às reais necessidades da população.
A Prefeitura do Rio, tão empenhada com seus choques de ordem - uma ordem que nem inglês vê e nós menos ainda - está criando, agora, o Choque de Ordem 2 , como se o primeiro tivesse funcionado. O prefeito posa para o jornal e explica para a eternamente adormecida população novas siglas como SEOP, UOPs e POPs. Entretanto, ao se registrar uma reclamação na Ouvidoria da Prefeitura, o cidadão carioca percebe que as providências não acontecem. Recebemos respostas rápidas, educadas, mas sem um resultado objetivo. Um grande exemplo é o absoluto descaso com uma das mais violentas agressões a que estamos expostos diariamente: a poluição sonora.
Quando não podemos sair às ruas e ficamos em casa somos atormentados pelo desrespeito daqueles que só se divertem ouvindo som absurdamente alto. Não há nenhum controle por parte da prefeitura em relação ao fato. Donos de bares, restaurantes e clubes sentem-se no direito de colocar caixas de som e aumentar os decibéis, agredindo violentamente a vizinhança que, apática como sempre, nada faz. Não há fiscalização, a desordem é absoluta. E o pior: a algazarra não é considerada desordem urbana pela SEOP, e sim , atribuição da Secretaria de Meio Ambiente que, da mesma forma, é surda aos apelos dos atingidos.
Quando há um assalto ou arrastão todos reclamam, mas viver assaltado, roubado e sequestrado do seu direito de trabalhar em casa, estudar e dormir, pelos "ladrões de mentes" que nos atacam por horas e dias a fio, dentro de nossos lares, submetidos aos praticantes assíduos e impunes da poluição sonora, não é levado em consideração pelas autoridades. Os órgãos ainda nos respondem, com o mais absoluto descaso, que se trata apenas de uma questão de bom senso.
Seria interessante saber se quando a mesma situação acontecesse ao lado de residências das próprias autoridades, a resposta seria a mesma. É um tema que deveria merecer mais atenção pelo grau de estresse que submete o cidadão impotente. Fica a esperança de que um dia, o povo carioca se empenhe em dar um verdadeiro basta. Basta de siglas e aparições públicas. Autoridades, pedimos que façam a sua parte, trabalhem de mangas arregaçadas, horas a fio, como nós, os cidadãos acordados que pagamos nossos impostos. Basta de analgésicos para dormir. Esse povo está doente de tanto ser enganado. Nossos reais problemas são doenças que têm cura e assim devem ser tratados.
(O Globo, 16/11/2010)