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plano diretor de porto alegre planejamento urbano
2010-11-16 | Tatianaf

Referência internacional em projetos de urbanismo, o arquiteto argentino Rubén Pesci foi contratado em meados dos anos 1990 pela prefeitura de Porto Alegre - na época comandada por Tarso Genro (PT) - para dar uma consultoria na elaboração do novo Plano Diretor, implantado em 2000. Uma década depois, Pesci faz críticas à lei que ajudou a formular, observando que a proposta original foi deturpada na Câmara Municipal, onde vereadores aprovaram mudanças que aumentaram os índices construtivos, especialmente na área central da cidade.

Apesar de a revisão do Plano Diretor, concluída neste ano, ter aprovado diminuição de alturas e aumento dos recuos entre as edificações, Pesci também contesta os resultados desta discussão. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio - concedida em Porto Alegre em outubro, quando veio participar de um congresso - ele salienta que das sete estratégias do Plano Diretor, a única que saiu do papel foi a que regula as regras para construir. “Se discute a arquitetura e se esquece o urbanismo”, resume.

Jornal do Comércio - Como foi o contato para trabalhar no Plano Diretor de Porto Alegre?

Rubén Pesci - Uma aluna nossa, funcionária da prefeitura, nos convidou, autorizada por Tarso, que era prefeito. E o Plano, na versão inicial, foi possível pelo apoio de Tarso Genro, que entendia (o projeto). Numa reunião, ele disse: “Tem razão, vamos fazer um novo Plano Diretor, não uma revisão. Estamos mudando muita coisa”. Ao final, não fiquei tão entusiasmado, sobretudo porque na Câmara de Vereadores se fez um “Frankstein”. Tudo o que poderia afetar interesses de determinados setores foi deixado de lado.

JC - O que mudou?
Pesci -
Lembro das discussões para aumentar a taxa de ocupação e a altura dos prédios na região de bairros como o Moinhos de Vento. A área radiocêntrica (entre o Centro e a Terceira Perimetral) foi objeto de uma luta incrível dos interesses imobiliários, que criaram algumas diferenças com as quais eu não estava de acordo.

JC - Quais diferenças?
Pesci -
Cada vez mais, o mundo está por um modelo de cidade compacta e densa, de modo a recuperar laços sociais e economizar energia. Nossa proposta levava a isso. Mas sem exagerar. O problema são os exageros. Se tinha (previsão de) dez pavimentos (de altura máxima nos prédios), queriam levar a 15.

JC - O limite aprovado foi de 18 andares (52 metros).
Pesci -
Um exagero. E outro problema: o Plano Diretor que fizemos tem sete estratégias. Dessas, não foi desenvolvida mais do que uma: a imobiliária. Uma pena. Era um plano bem avançado, Porto Alegre poderia estar na linha das melhores cidades da América Latina. Mas as outras seis estratégias - preservação do ambiente, mobilidade, centralidade... - foram deixadas de lado.

JC - O atual Plano Diretor leva em seu nome a palavra “ambiental”. Entretanto, na revisão da lei, a principal queixa de associações de moradores foi em relação a problemas ambientais na cidade. Como o senhor avalia esse paradoxo?
Pesci -
Têm razão, porque, com o modo de ocupação do solo e aqueles prédios tão altos, foram mudados nossos padrões. Nossos padrões eram muito mais preservacionistas. E toda a zona Sul era caracterizada como um modelo mais arejado em termos de densidade. Se compactamos aqui (na área central), é para evitar que disperse na periferia. Mas começaram a fazer grandes empreendimentos. Vi a zona Sul bem mais destruída. Há invasões por todo lado, seja de ricos, seja de pobres. É um pecado, porque a zona Sul era para ser preservada. É uma maravilha uma zona dessa qualidade ambiental a metros da grande capital gaúcha.

JC - Houve uma deturpação da ideia original?
Pesci -
Sim. Quero ser categórico: havia sete estratégias e foi aplicada só uma, aquela que interessa aos prédios privados. Não tivemos uma política pública clara em matéria de mobilidade, de meio ambiente, nem em desenvolvimento daqueles eixos de centralidade, que descentralizariam e integrariam a cidade, para Viamão, Alvorada, para o Sul. As medidas para a preservação da orla e a recuperação dos grandes parques ambientais da zona Sul, em particular, não foram feitas. As políticas de moradia social, criando cidades e não bairros excluídos... Nada disso foi feito.

JC - Moradores da Vila Chocolatão irão para outro bairro mais afastado. O senhor considera equivocado reassentar vilas irregulares do Centro em outros locais?
Pesci -
Equivocadíssimo. Tenho dito uma frase: “É preciso fazer cidade, não fazer casas.” Para resolver problemáticas sociais, tem que criar espaços que pareçam a cidade de todos. Aqueles não são cidadãos de segunda classe, têm que ser cidadãos de primeira classe. Com casas pequenas, não de luxo, mas fazendo parte do tecido social.

JC - Como fazer isso?
Pesci -
Mobilizando a terra para ocupar os vazios urbanos, prédios abandonados. Criando um banco de terras, expropriando se for necessário. A terra é mais cara aqui (área central da cidade). Mas se, no lugar de fazer dez casinhas, fizermos 50 em cinco andares, o custo da terra se amortiza. Então, é equivocado (tirar os pobres do Centro). A única vantagem é para o gestor (público), que trabalha muito menos: pega um pedaço de terra longe, quadricula e faz uma casinha.

JC - O senhor disse que os vereadores transformaram o Plano Diretor em um “Frankstein”. Mas a lei prevê revisões a cada quatro anos. É um método eficaz para fazer correções?
Pesci -
Sim. Ter um tempo é importante. A cada quatro anos é uma temporalidade razoável. Mas se na discussão volta a ser feita uma revisão de enfrentamento de poderes, tampouco serve. Ficamos nas mesmas coisas. Talvez aquela situação de Petrópolis, do Moinhos de Vento, se consegue corrigir. Mas se depara com outros problemas.

JC - A revisão do Plano saiu depois de oito anos. Alturas foram diminuídas, afastamentos entre as edificações aumentados. Ainda se discute medidas – áreas de interesse cultural, área livre permeável e vegetada nos terrenos além do Estudo de Impacto de Vizinhança.
Pesci -
Estão errados. O setor público propõe um plano simplesmente para regular o investidor privado, ou seja, regular o solo privado. Isso não é um plano de cidade. Qual é a proposta de melhoramento do espaço público? Para os sistemas de mobilidade, para a orla? Não temos uma proposta de nova cidade. Se discute a arquitetura e se esquece do urbanismo.

JC - O ex-secretário do Planejamento Newton Burmeister observa que durante a elaboração do Plano Diretor, o setor da construção civil esteve presente em todas as reuniões. E só depois do Plano implantado é que associações de moradores começaram a participar de fato. E houve um embate. Como aliar técnica à participação?
Pesci -
A participação é fundamental, mas tem que ser educada. Pode ser o mais pobre dos cidadãos, ou o mais ilustrado. Mas a primeira parte tem que ser uma igualdade no entendimento dos princípios, um processo educativo. Senão é inútil. Uns querem 50 pavimentos, outros não querem nada. Em Florianópolis, uns setores comunitários querem só um pavimento.

JC - Isso gera um impasse.
Pesci -
E não se avança. Aqui (em Porto Alegre), o Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil) foi muito ativo, mas é claro que defendendo os interesses do setor imobiliário. O setor comunitário não aparecia praticamente. Os vereadores não tiveram uma grande participação. E agora os movimentos sociais aparecem 10 anos depois. Não foi uma situação ideal. O planejamento é uma negociação de interesses comunitários, econômicos, políticos. Tem que trabalhar com representações legitimadas, com os que mais sabem de cada instituição. Não com o que mais tem poder. E o poder público tem que assumir a mediação.

JC - O senhor esteve diversas vezes em Porto Alegre nesses últimos 15 anos. Que mudanças percebeu na cidade?
Pesci -
A medida mais acertada, que já estava definida antes do Plano Diretor, foi a Terceira Perimetral. Além dela, não vi avanços na cidade. Continuam desenvolvendo a cidade sem uma orientação inteligente.

JC - Que projetos mudaram cidades, por exemplo?
Pesci -
Curitiba fez fama com o sistema de mobilidade. Medellín (Colômbia), com as intervenções nos setores sociais, através de bibliotecas-parque, mudando a realidade social dos menos favorecidos. O slogan de Medellín é “a mais educada”. Essas bibliotecas-parque são prédios de 3 mil a 5 mil metros quadrados. Custam pouquíssimo, R$ 2 milhões. E com isso se muda a realidade social de 10 mil, 20 mil crianças. Aí estão as minhas dúvidas em relação ao governo do PT (Lula). Não tem que subsidiar a mudança social, tem é que criar condições de riqueza e emprego. Não deram casas nem pacotes de alimentos em Medellín. Deram bibliotecas-parque. Em Bogotá, outro exemplo colombiano, fizeram um grande sistema de transporte público, muitas ciclovias.

JC - A ciclovia é só uma alternativa ou pode ser um meio de transporte?
Pesci -
É limitado. Não dá para ir de bicicleta até Belém Novo. Mas pode complementar. A Cidade do México, de 20 milhões de habitantes, tem um sistema multimodal. Pode sair de carro, pegar um metrô até as áreas centrais e depois uma bicicleta, para as últimas 20 quadras. É perfeitamente possível. E já coloco outro exemplo, no meu país, em Rosário. Tem uma orla parecida com a de Porto Alegre. E hoje recebe um movimento artístico internacional, com obras de arquitetos europeus. São 27 quilômetros de orla colocados a serviço da população.

JC - E os 70 quilômetros de orla de Porto Alegre?
Pesci -
Não se trata simplesmente de grama, pássaros e nada mais. Para que essa orla seja de utilidade social, é preciso equipá-la. Fazer possível a apropriação social todo o ano, 24 horas por dia, com centros esportivos, educativos, náuticos. Se Medellín tem bibliotecas-parque, aqui deveria haver as bibliotecas-orla.

JC - E a sua avaliação sobre prédios residenciais na orla?
Pesci -
Se colocarmos alguns, digamos, a cada três quilômetros, não pesa nada. Agora, um ao lado do outro, destrói. E esses podem estar sobre a orla, mas deixando 100 metros de passeios públicos. Assim, toda Porto Alegre pode passar pela orla compativelmente com aqueles blocos. Mar del Plata tem um grande empreendimento, mas reserva um passeio amplo na praia. E é público, não privado

JC - Discute-se hoje em Porto Alegre o projeto de revitalização do Cais do Porto. Houve polêmica em relação a duas torres com 100 metros de altura, o dobro do limite máximo da cidade. Os empreendedores dizem que é necessário para viabilizar economicamente.
Pesci -
Quase sempre os investidores colocam essa coisa da viabilidade. Mas não quero entrar em preconceitos. Em Puerto Madero, Buenos Aires, as antigas docas são de apenas três, quatro andares, muito leves e elegantes. Há um regramento restrito de conservação. Mas na orla, cruzando os canais, tem torres de 50 pavimentos. E funciona bem, com um grande parque e muito verde ao redor.

JC - Qual sua avaliação sobre a criação de um Instituto de Planejamento na cidade?
Pesci -
Há 50 anos se discutia a cidade, e se fazia espaços como o Centro Administrativo, esse viaduto na Borges de Medeiros (Otávio Rocha). Tem que se voltar a fazer urbanismo. Um exemplo extraordinário é o Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba (IPUC), independentemente da mudança de governo.

Perfil
Rubén Pesci, argentino nascido em 1942, em La Plata, é formado em Arquitetura pela Universidad Nacional de La Plata (1965), e tem pós-graduação em Urbanismo e Ambiente, em Roma e Veneza. Em 1974, criou o Centro de Estudos e Projetos do Ambiente (Cepa), organização que faz projetos ambientais e tem uma filial em Porto Alegre desde 2003. Em 1989, criou o Fórum Latino-Americano de Ciências Ambientais (Flacam), que tem 40 sedes. Pesci teve suas ideias sobre urbanismo, planejamento e desenvolvimento premiadas e publicadas em mais de 300 artigos em 15 países. É autor de dez livros sobre questões ambientais e desenvolvimento sustentável. A Cepa já fez projetos de urbanismo em quase 50 localidades do continente, especialmente na Argentina, Brasil, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Nos anos 1990, Pesci participou da elaboração do Plano Diretor de Porto Alegre. Também atuou nos projetos de Pelotas, Santa Maria, Imbituba (SC), e Barra Mansa (RJ). Atualmente, trabalha no Plano Diretor de Florianópolis e de Monterrey (México).

(Por Guilherme Kolling, JC-RS, 16/11/2010)


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