Uma região rica, populosa e ameaçada. Assim é a bacia hidrográfica do Rio da Prata, a quinta maior do mundo, cercada por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, berço de 70% do PIB desses países e habitada por mais de 100 milhões de pessoas. Nem o gigantismo de seus números a protegeu das mudanças climáticas, cujos principais efeitos são sentidos no Sul do país.
A precipitação diária aumentou 33% em meio século, segundo centros de pesquisa europeus e sul-americanos. Com as tempestades vieram inundações, solos erodidos e inúteis para a agricultura.
As chuvas, porém, estão mal distribuídas, o que fez a estiagem também aumentar. A seca observada em algumas regiões argentinas no ano passado foi a pior em décadas. Reportagem de Renato Grandelle, em O Globo.
Os prejuízos também atingiram plantações no Brasil, obrigando os produtores a pensar em novas formas de cultivo.
É para desenvolver novas estratégias de adaptação que 170 pesquisadores de 20 países estão reunidos desde segunda-feira em Florianópolis.
Patrocinada pela Comissão Europeia, a Rede para Avaliação da Mudança Climática e Estudos de Impacto na Bacia do Prata pretende propor, nos próximos dois anos, uma série de medidas que amenizariam o impacto das inundações e secas sobre as atividades econômicas da região.
- Precisamos avaliar as vulnerabilidades locais frente às ameaças climáticas – explica Sandro Schlindwein, pesquisador do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina. – Registramos muitas geadas e vendavais fora de época, mas o maior problema são as estiagens, principalmente no verão. É quando normalmente ocorrem as fases de enchimento de grão e a floração, os momentos em que o clima desfavorável mais seria capaz de provocar prejuízos.
A seca também é preocupante no inverno. Nesta estação, o índice diário de chuvas caiu 60% desde 1950 no Rio Paraná, o principal da Bacia do Rio da Prata.
Enquanto os pesquisadores traçam uma estratégia e procuram parceiros no campo, os pequenos agricultores improvisam. O aumento da seca fez produtores do oeste de Santa Catarina desenvolverem variedades do milho mais resistentes à estiagem.
- Eles preferiram mudar o produto a dependerem cada vez mais da indústria de melhoramento do milho – avalia Schlindwein.
O aumento das chuvas e secas na região seria consequência de um processo natural, ainda não decifrado pela ciência. Mas há consenso entre os especialistas que, em no máximo 30 anos, as mudanças climáticas observadas hoje podem se acirrar por efeito do aquecimento global.
- Nos anos 60 e 70, houve um grande desmatamento no Paraná, o que alterou o uso do solo e aumentou as precipitações – lembra Carlos Tucci, consultor de recursos hídricos e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. – Mas este processo teve uma influência limitada a algumas regiões. Há variações naturais no clima de uma década para a outra que a ciência ainda não sabe desvendar com precisão.
O climatologista José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, também é cauteloso ao comentar o papel do aquecimento global na Bacia do Rio da Prata.
- Por enquanto, vemos um fenômeno natural. Mas, até 2040, a emissão de gases-estufa pode tornar ainda mais comum esses eventos extremos. Aí poderemos atribuir com segurança a responsabilidade ao homem.
De acordo com as principais projeções climáticas, o aquecimento global poderia acelerar um dos mais importantes ciclos hidrológicos da América do Sul: a formação de precipitações na Amazônia, com a passagem da água pela planície do Pantanal e sua chegada à Bacia do Rio da Prata. As eventuais mudanças no escoamento dos rios locais provocariam revezes à biodiversidade desses ecossistemas.
O aumento do escoamento também provoca erosão do solo, reduzindo a área disponível para a agricultura. Os rios mudam de leitos, o que leva a alterações também nas matas ciliares, responsáveis por delimitá-los. E, como o material do fundo dos rios pode ser suspenso, a qualidade da água também fica comprometida.
(EcoDebate, 12/11/2010)