Costa-riquenho Randall Arauz fala sobre a sua luta para acabar com a caça descontrolada de tubarões e critica a ausência de governança e as barbaridades cometidas nos oceanos diariamente.
Randall Arauz é um importante ativista contra a prática do finning (extração de barbatanas de tubarão), ganhador do prêmio Goldman Environmental Prize em São Francisco, na Califórnia, além de ser presidente do Programa Restauración de Tortugas Marinas (PRETOMA).
A questão do finning é um tema relativamente novo no Brasil, com muitas pessoas desconhecendo que essa prática cruel causa danos irreversíveis não apenas no país como ao redor do mundo nas decrescentes populações de tubarões.
Randall está na luta há mais de dez anos para conscientizar a população sobre o finning. Já em 2000, o ambientalista e a sua ONG costa-riquenha Pretoma fizeram um filme chocante sobre a prática, que ajudou muito para trazer a população para o seu lado em diversos protestos nos anos seguintes.
No contexto internacional ele também é extremamente ativo contribuindo para regulamentações importantes no âmbito das Nações Unidas que tentam controlar a pesca do tubarão. Uma das medidas mais difundidas chama-se ‘aletas aderidas’ em espanhol, ou barbatanas aderidas, que tanta evitar que os tubarões sejam capturados apenas pela barbatana e jogados no oceano para a morte certa.
Geralmente as pessoas enxergam os tubarões como predadores violentos, com muitos mitos irreais. Na realidade eles são uma das espécies marinhas mais ameaçadas de extinção e têm uma importância ecológica essencial no controle de outras espécies.
Um exemplo de conseqüência que se pensaria ser inusitada na extinção dos tubarões é o caso do desaparecimento dos mexilhões que acabou com a pesca artesanal na costa leste dos Estados Unidos. Descobriu-se que com o início da pesca do tubarão na década de 1980, e o seu colapso cinco ou seis anos depois, a população de arraias cresceu absurdamente. O principal alimento das arraias são os mexilhões.
Assim como as tartarugas, os tubarões são frágeis, pois vivem muito tempo (mais de 30 anos) e a sua maturação é tardia e quando se reproduzem as crias são em número reduzido. Assim, a próxima geração depende muito das condições dos adultos.
O finning é praticado ao redor do mundo, direcionado especialmente para o mercado asiático que vê a sopa de barbatanas como símbolo de prosperidade. Um kilo de barbatana chega a valer US$ 70 ao contrário do kilo da carne de tubarão que custa cerca de US$ 0,50, estimulando os pescadores a descartar o corpo do animal, segundo Randall.
A pesca do tubarão é discutida sob a UNCPOLOS (Informal Consultative Process on Oceans and the Law of the Sea), a Convenção sobre Espécies Migratórias, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) na e a Convenção Interamericana do Atum Tropical (CIAT). Esta última tem dados que demonstram que o finning vem crescendo com o passar dos anos, porém nunca fez nada para banir a prática.
Governança Global
Randall comentou que atualmente na Costa Rica o finning está teoricamente sendo controlado, porém que os barcos de Hong Kong apenas migram para os países vizinhos que não tem legislação adequada. Ele defende que é importante tratar do assunto a nível global, especialmente por que os tubarões são espécies migratórias e não ficam dentro das fronteiras de um determinado país.
Em uma época na qual os danos ambientais não respeitam fronteiras, como os recentes acidentes do vazamento de petróleo da BP no Golfo do México e da lama tóxica na Hungria, fica evidente que a política internacional é uma arma elementar na governança ambiental.
A população precisa se conscientizar da importância de exigir de seus governantes que seja representada de forma competente e acima de tudo transparente nas convenções e conferências internacionais, como na UNCPOLOS e na CIAT.
Randall esteve em Florianópolis na primeira semana de novembro para o II Simpósio Internacional de Direito Ambiental organizado pelo Instituto Justiça Ambiental (IJA).
José Truda Palazzo, um dos ambientalistas mais importantes e respeitados do Brasil, representante na Comissão Internacional da Baleia (CIB) até 2009, fundador e ex-diretor do Projeto Baleia Franca, enfatizou a necessidade de governança mundial dos oceanos.
A partir da Convenção do Mar em 1982, os oceanos passaram a ser regidos pela divisão entre as Zonas Econômicas Exclusivas, em princípio, uma linha situada a 200 milhas marítimas da costa, e grandes extensões sem jurisdição, ocupadas por tem poder de fogo.
Desta forma, a governança dos oceanos fica submetida às políticas de cada um dos países, ou de absolutamente ninguém e todos ao mesmo tempo. Esta bagunça generalizada resulta em um prejuízo enorme para a biodiversidade e em pouco tempo pode causar o colapso dos recursos pesqueiros, como já está acontecendo com espécies como o atum azul.
Para Truda, a situação do atum e do tubarão é igual a da baleia na época da caça generalizada do imenso mamífero. As estatísticas, inclusive da FAO, sobre as populações destes animais são presumidas, não demonstrando a realidade, o que torna impossível se saber o suficiente para determinar cotas de pesca. O panorama é desastroso.
Captura incidental
Outra questão preocupante, que precisa muito da colaboração da indústria pesqueira para funcionar, é o uso de instrumentos que impedem o bycatch, ou a captura incidental de animais que não são o foco da pesca.
“Cerca de 40% de todos os organismos vivos capturados na pesca são postos no lixo”, alerta Truda citando como exemplo a pesca marinha do camarão onde 80% do que é capturado são outros animais.
A fiscalização sobre o bycatch é insipiente e a colaboração do setor pesqueiro é menor ainda, segundo ele.
O que fazer?
Tanto Truda como Randall ressaltam que o que se tem a fazer é criar áreas marinhas protegidas para dar uma chance para que as populações se recuperem da pesca excessiva.
Grandes países oceânicos, como o arquipélago das Ilhas Kiribati no sudoeste do Oceano Pacífico, na Micronésia, estão aproveitando as vantagens do ecoturismo para proteger as suas águas. A República da Palau, um pequeno país insular da Micronésia, criou um Santuário de tubarões e mamíferos marinhos apesar da pressão japonesa para que o país o apóie nas discussões pesqueiras internacionais.
O Japão é o grande vilão mundial dos oceanos, sendo palco de escândalos e cenas de horror como o massacre dos Golfinhos em uma baía na cidade de Taiji demonstrado no documentário The Cove, vencedor em 2009 do Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem.
No Brasil, nos últimos oito anos a criação de unidades de conservação se restringiu a categoria de uso sustentável ‘Reserva Extrativista’ (RESEX) e o país ainda possui menos de 1% de sua Zona Econômica Exclusiva protegida.
“A governança global dos oceanos não existe, é um mito. Nós temos que pressionar os governos a atuarem”, enfatizou Truda.
A sociedade brasileira não tem cultura de pressão política para conservação do que nos é mais rico, a biodiversidade, e precisa acordar para o caminho sem volta que está tomando. Quem está no poder, lá está por que nós colocamos e além de tudo pagamos para que esteja, exija que o seu meio e a sua vida estejam sendo bem cuidados.
(Por Fernanda B. Müller, Carbono Brasil, Envolverde, 10/11/2010)