O setor financeiro público brasileiro possui um papel chave na disponibilização dos recursos necessários para o financiamento de uma economia de baixo carbono. Neste setor, a oferta de crédito vem crescendo em um ritmo acelerado. Somente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desembolsou, em 2008 e 2009, R$90.877,9 milhões e R$ 136.356,4 milhões respectivamente, o que significa um aumento de 50% em apenas doze meses. Há muito espaço para produtos que visam à redução da emissão dos gases causadores do efeito estufa (GEEs).
As afirmações acima fazem parte do estudo Financiamentos Públicos e Mudança do Clima – Análise de Bancos Públicos e Fundos Constitucionais Brasileiros, elaborado e coordenado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV/EAESP (GVces) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com apoio da Embaixada Britânica. O relatório, lançado hoje durante evento em São Paulo, analisa o planejamento estratégico das instituições bancárias públicas no âmbito das mudanças climáticas.
“O objetivo do estudo é trazer à tona uma avaliação das políticas e práticas de bancos e fundos públicos brasileiros quanto à redução do impacto climático de suas operações”, explica Gladis Ribeiro, do GVces.
Para Cristina Montenegro, Representante do PNUMA no Brasil, é essencial que o setor financeiro público se conscientize do seu papel na busca por uma economia de baixo carbono no Brasil. “Todas as instituições pesquisadas são signatárias do Protocolo Verde, o que reforça a importância de atuarem como precursores e multiplicadores da responsabilidade socioambiental do setor bancário”, diz Montenegro.
Financiamento como visão estratégica
De acordo com o estudo, o comprometimento dessas instituições com a mudança do clima, embora esteja formalizado, ainda é difuso e requer uma maior abordagem estratégica transversal. Apesar da conscientização sobre o tema, ainda existem grandes desafios para a elaboração de uma visão institucional mais elaborada em relação ao tema, que é o maior desafio do século XXI.
Para a pesquisadora de finanças sustentáveis da equipe de Sustentabilidade Empresarial do GVces, Paula Peirão, “as instituições reconhecem a importância do financiamento público como indutor de uma economia de baixo carbono, mas o processo decisório ainda é orientado por objetivos pontuais, de curto prazo e com baixo envolvimento da alta gerência”.
Peirão explica que não existe um acompanhamento e cooperação entre as instituições financeiras, “o que poderia ser um ponto de partida para a criação de uma linha de base que pudesse monitorar as ações individuais das instituições financeiras públicas no país”.
Eficácia e monitoramento dos produtos verdes
O relatório aponta que produtos direcionados para redução de gases de efeito estufa ainda têm baixa representatividade. Produtos tradicionais podem atender necessidades de clientes no que se refere à redução de emissões, porém “Sem o controle dos impactos de produtos tradicionais direcionados para ações de menor emissão de carbono, não há como avaliar os benefícios ambientais dos projetos financiados”, avalia Gladis Ribeiro.
Também foi identificado que muitas vezes o montante disponibilizado para um produto ou linha verde de crédito é muito superior a sua contratação efetiva. Com isso, acabam não sendo atrativos para os clientes, pois em geral têm um processo de contratação mais complexo, quando comparados a financiamentos tradicionais. Segundo dados do Tribunal de Contas da União, entre 2008 e 2009, as linhas de crédito público dos programas de investimento em sistemas sustentáveis e recuperação de áreas degradadas, por exemplo, tiveram apenas 25% de utilização.
“Existe ainda um amplo espaço a ser ocupado pelas instituições no que se refere ao monitoramento, consolidação e padronização de informações, que promovem o alinhamento entre esses produtos e ferramentas”, explica Paula Peirão. “Isso evitaria a ocorrência de ações dispersas e contraditórias”, acrescenta.
Outro ponto identificado durante a pesquisa trata das soluções financeiras para adaptação e vulnerabilidade à mudança do clima. De acordo com os pesquisadores, estas são oportunidades até o momento pouco exploradas pelas instituições. As instituições financeiras públicas podem liderar este processo por meio do financiamento sustentável em áreas como agropecuária, segurança hídrica e planejamento urbano e de zonas costeiras.
Para o coordenador-geral do GVces, Mario Monzoni, “estes resultados podem subsidiar tomadores de decisões em seus processos de formulação de políticas públicas de combate aos efeitos das mudanças climáticas e, assim, promover o alinhamento do Brasil com os objetivos da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Protocolo de Quioto, Plano de Bali e Acordo de Copenhague”.
Fizeram parte da pesquisa os seguintes bancos: BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal; Fundo Constitucional do Norte, Fundo constitucional do Nordeste e o Fundo Constitucional do Centro-Oeste, geridos pelo Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e Banco do Brasil, respectivamente.
Abaixo estão as recomendações finais e diagnósticos levantados com base nas avaliações das práticas das instituições bancárias estudadas:
Recomendações para o setor
- Desenvolvimento de linhas de base comuns, incluindo inventário de emissões financiadas e necessidade de acompanhamento das ações listadas no Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
- Atribuições de responsabilidade para alta gerência na criação de uma estratégia transversal para o tema
- Cooperação entre instituições públicas evitando sobreposições de mandatos e duplicidade de alocação de recursos para desenvolvimento de ferramentas e ações de mitigação e adaptação.
- Estabelecimento de metas de redução de emissões operacionais e financiadas
- Consolidação e divulgação de informações sobre os avanços no tema
- Alinhamento de produtos verdes com a estratégia da instituição
- Ferramentas que incentivem boas práticas em produtos tradicionais
- Simplificação do processo de crédito de produtos verdes
- Desenvolvimento constante de conhecimento técnico, mercadológico e metodológico
- Desenvolvimento de projetos conjuntos e melhoria na comunicação com governo e ONGs
- Protagonismo das instituições financeiras públicas em soluções de adaptação
- Foco em agropecuária, segurança hídrica e planejamento urbano e em zonas costeiras
- Integração com diferentes instâncias governamentais e alinhamento com planejamento de desenvolvimento local
- Capacitação de profissionais estratégicos sobre as soluções de adaptação
- Investimento em pesquisa e digitalização de dados
Fonte: GVces (2010)
* O relatório pode ser acessado na íntegra em www.fgv.br/ces
Fonte: PNUMA
(EcoDebate, 10/11/2010)