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biopirataria
2010-11-09 | Tatianaf

Um grupo de inteligência, constituído há quatro meses por agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e técnicos da Advocacia Geral da União (AGU), constatou a extração ilegal de informações genéticas da flora brasileira para fins comerciais, a chamada biopirataria.

A investigação, cujo conteúdo é mantido em sigilo, foi deflagrada a partir da criação do Núcleo de Combate ao Acesso Ilegal ao Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado.

Desde julho, a Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama contava com informações sobre “um número crescente de casos de acesso ilegal ao patrimônio genético, bem como de tentativas de remessa de material biológico para o exterior”, segundo descrição da portaria nº 685 do instituto, que criou o núcleo de combate à biopirataria. Ibama e Ministério do Meio Ambiente não comentam as investigações e sequer confirmam a existência de operações de campo.

Entretanto, “O Globo” obteve informações de que a estratégia é a mesma utilizada na operação Boi Pirata 2, deflagrada no Pará, que concentrou a fiscalização sobre as propriedades cujo nível de desmatamento era considerado elevadíssimo.

Uma preocupação é diferenciar pesquisadores de biopiratas.

Para autuar os infratores, os agentes se valem do decreto nº 5.459, de 2005, que impõe treze níveis de penalidades a quem acessa ilegalmente o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional associado, denominação dada à “captura” de informações junto a comunidades indígenas, ribeirinhas ou quilombolas. Trata-se do acesso a plantas ou secreções animais, usadas por tais comunidades como remédio ou tintura.

Os mesmos elementos são visados pelas indústrias farmacêutica e de cosméticos. As sanções variam de simples advertências a multas, que chegam a R$ 50 milhões, caso o autor da infração seja pessoa jurídica.

Companhias internacionais, com sede no Brasil, também estão sujeitas às sanções.

A punição à biopirataria no Brasil, entretanto, é tratada como tabu, pois a legislação em vigor é considerada de péssima qualidade por cientistas e até mesmo por setores ambientalistas.

As sanções se sustentam em uma medida provisória, editada em 2001, que não aponta regras para a divisão de benefícios entre o setor privado, o governo e, eventualmente, as comunidades tradicionais. Nem dimensiona o valor potencial de uma informação genética extraída da biodiversidade.

- Essa lei é reconhecidamente ruim. Ajuda a confundir ciência e biopirataria. Louvo a fiscalização, mas se for uma caça às bruxas, essa investigação é estrategicamente inadequada. O governo precisa encaminhar com urgência o projeto de lei, definindo um novo marco regulatório – avalia Eduardo Velez, ex-diretor de patrimônio genético do Ministério do Meio Ambiente.

A investigação iniciada há quatro meses faz parte de um pacote de ações que o Brasil apresentou nos bastidores da Conferência Mundial da Biodiversidade, realizada em Nagoia, no Japão, no final de outubro. A intenção da área ambiental do governo é definir um marco regulatório para a exploração de recursos genéticos, que tem potencial econômico bilionário.

Regras para pesquisa devem ser flexibilizadas

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, não fala sobre as investigações em curso. Mas admite que a legislação atual é frágil e impede que o Brasil aproveite o potencial de sua biodiversidade.

- Nós temos dois pré-sais. Um de petróleo e outro de recursos genéticos. Para mim, o acesso (aos recursos genéticos) é o pré-sal da biodiversidade. É uma riqueza imensa do país e que nós precisamos ter um patamar diferenciado. Além do quadro legal, precisamos ter uma estratégia de gestão para um assunto tão importante, tão estratégico para o desenvolvimento, afirma a ministra do Meio Ambiente.

Nos próximos dias, o governo deve flexibilizar regras para pesquisas científicas, com a criação de um cadastro para distinguir a pesquisa da bioprospecção comercial.

Além do Ibama e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Anvisa, o Instituto Chico Mendes e uma entidade ligada ao setor agrícola, ainda não definida, devem ser credenciadas para dar suporte às pesquisas genéticas, sem autorização prévia do Conselho do Patrimônio Genético do Meio Ambiente (CGEN).

Em Nagoia, governo não fechou acordo sobre o tema
Sob o comando da então ministra Dilma Rousseff, e depois na gestão de Erenice Guerra, a Casa Civil da Presidência manteve na gaveta o marco regulatório de acesso ao patrimônio genético. Em relatório apresentado à Conferência Mundial da Biodiversidade, no final de outubro no Japão, o governo admite que foi incapaz de chegar a um acordo sobre o tema.

“Apesar dos grandes esforços investidos nos últimos três anos pelo governo para desenvolver um texto final para o projeto de lei, ainda não foi obtido um consenso entre os diferentes setores governamentais envolvidos na preparação desse instrumento complexo”, assinala o documento.

O maior impasse ocorre entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura, que teme o aumento do preço de produtos agrícolas caso a lei contemple o setor. Praticamente todas as sementes utilizadas no Brasil, entre elas milho e soja, são originárias do exterior. Portanto, o país poderia passar a ser cobrado pela manipulação genética dessas sementes.

Porém, a Conferência de Nagoia excluiu os produtos agrícolas usados para alimentação do acordo da biodiversidade. Essa premissa, segundo fontes do governo, abre caminho para o entendimento. O texto internacional prevê que cada país tenha direito a benefícios pelo uso de seu patrimônio genético, repartição ampliada às comunidades tradicionais. O acordo ainda precisa ser ratificado pelos 193 países membros. A implementação deve levar, pelo menos, cinco anos.

(Por Roberto Malcthik, O Globo, EcoDebate, 09/11/2010)


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