Em 17 de junho de 2010 a Corte Especial do Tribunal Federal da 1ª Região julgou em caráter provisório a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal do Pará, contra o leilão da usina de Belo Monte. Em 18 de abri de 2010, o juiz Federal Antonio Carlos Almeida Campelo, de Altamira, havia concedido uma das três liminares que cancelava o leilão, mas ela foi cassada pelo Tribunal, em menos de 24 horas.
O Desembargador Federal Souza Prudente, do Tribunal Federal da 1ª Região, no exercício de seu direito de votar no julgamento em caráter provisório da liminar que cancelou o leilão de Belo Monte, nos deu um presente inesperado. Seu voto, apesar de vencido, é uma linda peça em defesa do princípio da precaução, do Ministério Público Federal do Pará, do Juiz Campelo, do meio ambiente, dos povos indígenas e dos interesses difusos. Souza Prudente começou reforçando sua independência diante da questão e o fato de não concorrer a cargo público e de não dever favores ao governo.
Segundo as notas taquigráficas do seu Voto ele afirmou que ainda não há regulamentação das condições específicas para a exploração de potencial hidrelétrico em terras indígenas; não é possível a atividade de geração de energia através de potenciais de energia hidráulica em terra indígena sem que seja editada a lei. Para ele, o deferimento de licença prévia, o leilão ou qualquer ato administrativo que autorize a construção de Belo Monte antes da regulamentação da lei que permitiria atividade em terras indígenas, seriam nulos.
Afirmou que o Ministério Público cumpriu seu dever funcional atribuido pela Constituição Federal de instaurar inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Relembrou precedente clássico da relatoria do Ministro Celso de Mello, na Suprema Corte, sobre “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais, nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia ‘a defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, inc. VI), e traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral”.
Souza Prudente citou ainda, da relatoria de Celso de Mello, que o poder público não deve subestimar e muito menos hostilizar os povos indígenas. Qualquer desenvolvimento que se faça, continua, sem ou contra os indígenas desrespeita a Constituição Federal e fere de morte o desenvolvimento “tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente diversificado de modo a incorporar a realidade vista”.
“A usina Belo Monte, que se pretende instalar em terras indígenas, até porque não se pode, evidentemente, ignorar o impacto que essa obra, de uma dimensão que atinge a sua qualificação como a terceira maior usina hidrelétrica do planeta, certamente irá atingir as comunidades indígenas e ribeirinhas do rio Xingu não só nos aspectos de ordem de impacto físico-ambiental, mas também de ordem cultural e, finalmente, de ordem moral”.
No seu voto ele ainda demonstra a relevância da questão indígena nos estudos ambientais, inconclusos, que não permitiriam a concessão da licença prévia, a licitação da obra, e o atropelamento do processo legal. Em dado momento Souza Prudente se supera ao relembrar o princípio da precaução ratificado pelo Brasil e que está sendo violentado no caso de Belo Monte
“A Hidrelétrica de Belo Monte, na dimensão em que fora descrita no estudo prévio de impacto ambiental inconcluso é uma ameaça à preservação do maior bioma do planeta, o bioma amazônico. E o interesse difuso não é só dos brasileiros, mas de todos os habitantes da terra e do cosmos, se é que além da terra existem extraterrestres que terão também interesse em preservar a Amazônia.”
Ao se referir ao presidente Lula quando assinou o acordo de Copenhagen, feito às pressas, comparou com os estudos de impacto ambiental aqui no Brasil, que também são feitos às pressas em desrespeito ao manejo adequado dos recursos financeiros e da tecnologia. A aprovação de Belo Monte é uma postura governamental contrária a todos os acordos firmados pelo Brasil, afirmou Souza Prudente. “É uma contradição”.
“A Srª ministra Dilma Rousseff, quando abriu a manifestação brasileira em Copenhagen, disse e, com a devida vênia, escandalizou, no seu discurso, que ’o meio ambiente atrapalha o progresso’. E logo em seguida Sua Excelência afirmou que não há progresso sem hidrelétrica. Com a devida vênia, não posso concordar com essas colocações, como lá ninguém concordou com essas colocações da ministra Dilma.”
Ao concluir seu voto, Souza Prudente insistiu que Belo Monte não teria sido licenciada com tanta pressa se tivesse havido um estudo de impacto ambiental sério. Os atropelamentos no processo foram observados pelo Ministério Público Federal em parecer distribuído a todos os membros da Corte e causa estranheza o fato de que esse projeto, já cogitado há mais de trinta anos, desde o Regime Militar, possa ter um desfecho tão apressado, às vésperas da mudança de governo.
Em fecho de ouro ele ainda se referiu aos vinte e três bilhões de reais previstos nos custos da obra que, “certamente, não ficará pronta apenas com tal quantia que será derramada dos cofres públicos.” Finalizou citando Fernando Pessoa e dando seu voto contra uma “tragédia ambiental no planeta, de conseqüências imprevisíveis para todos os seres vivos, que nele habitam.”
(Telma Monteiro, 09/11/2010)