Em carta divulgada em 27 de outubro, representantes de entidades da comunidade científica afirmam que a atual proposta de reforma no Código Florestal foi feita sem embasamento científico e com "excessiva urgência e imediatismo". A carta foi escrita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Os cientistas pretendem sustar a aprovação pelo plenário da Câmara dos Deputados do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), já aprovado em comissão especial da Câmara. Para isso, os presidentes da SBPC, Marco Antonio Raupp, e da ABC, Jacob Pallis, encomendaram relatório técnico a uma comissão de 17 especialistas -- o Grupo de Trabalho Código Florestal.
Responsável pela elaboração da carta, o Grupo é formado por membros da comunidade científica brasileira - cientistas e representantes do setor ambiental e agrícola. Entre seus participantes, destaca-se a presença de sete representantes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Conforme expresso na carta, as análises realizadas pelos especialistas até o momento "não deixam dúvidas de que há estoque suficiente de terras agrícolas apropriadas" para expandir a produção de alimentos, fibras e biocombustíveis no Brasil pelo menos até 2020, destacando-se o fato de que "ainda há grande espaço para significativos aumentos sustentáveis da produtividade alicerçados em ciência e tecnologia".
O texto reforça o que tem sido dito por muitos especialistas: que a aprovação da reforma trará retrocesso na proteção às florestas. Entre as alterações propostas por Aldo Rebelo, está uma flexibilização considerada excessiva nas áreas de preservação permanente e anistia aos que realizaram desmatamentos até 2008.
A revisão é necessária, por isso, deve ser feita com cuidado
O setor agropecuário e Rebelo argumentam que o Código Florestal, editado originalmente em 1965, não condiz com a realidade brasileira, estando desatualizado por não reconhecer ocupações já consolidadas pela agropecuária em todo o país. A comunidade cientifica não discorda que o Código precisa ser revisto e atualizado, porém, afirmam que essa revisão deve ser "embasada em parâmetros científicos que levem em conta a grande diversidade de paisagens, ecossistemas, usos da terra e realidades socioeconômicas existentes no país".
Veja abaixo a carta na íntegra:
"Em 6 de julho de 2010, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) se manifestaram conjuntamente com respeito a modificações no marco legal sobre a proteção e uso da vegetação brasileira em discussão pelo Congresso Nacional.
Ao mesmo tempo, essas instituições representativas da comunidade científica brasileira instituíram um grupo de trabalho composto por cientistas e representantes dos setores ambiental e agrícola brasileiros (lista dos participantes do grupo de trabalho abaixo) com a missão de analisar em profundidade a questão ampla do Código Florestal vigente e do substitutivo ao PL 1.876/1999, aprovado pela Comissão Especial de Revisão do Código Florestal.
O grupo de trabalho se reuniu por três vezes, desde julho último, e planeja concluir suas atividades até final de dezembro de 2010, com apresentação de relatório técnico detalhado. Julga-se apropriado tornar público, a título exemplificativo, alguns pontos importantes das análises realizadas pelo mencionado grupo de trabalho, como segue:
A comunidade científica brasileira deseja contribuir, significativamente, com informações confiáveis que embasem a modernização do Código Florestal brasileiro.
Análises aprofundadas da disponibilidade de terras para a expansão da produção de alimentos, fibras e bioenergia, para atendimento ao mercado interno e externo, pelo menos até o horizonte de 2020, não deixam dúvidas de que há estoque suficiente de terras agrícolas apropriadas para suportar uma expansão da produção, destacando-se o fato de que há ainda grande espaço para significativos aumentos sustentáveis da produtividade alicerçados em ciência e tecnologia.
A constatação anterior permite que se analise a necessidade de modificações do Código Florestal sob outra ótica, não premida por excessiva urgência e imediatismo, para que não se perca oportunidade histórica de incorporar os aperfeiçoamentos realmente necessários a tão importante diploma legal e feitos à luz do melhor conhecimento científico.
Os aperfeiçoamentos do Código Florestal, visando modernizá-lo e adequá-lo à realidade brasileira e às necessidades requeridas para promover o desenvolvimento sustentável, clamam por uma profunda revisão conceitual embasada em parâmetros científicos que levem em conta a grande diversidade de paisagens, ecossistemas, usos da terra e realidades socioeconômicas existentes no país, incluindo-se, também, a ocupação dos espaços urbanos.
Essa revisão deve considerar o grande avanço tecnológico na capacidade de observação da superfície continental a partir do espaço e indicar as lacunas de conhecimento científico ainda existentes.
Em essência, reiterando o que já manifestamos em 6 de julho passado: entendemos que qualquer aperfeiçoamento no quadro normativo em questão deve ser conduzido à luz da ciência, com a definição de parâmetros que atendam à multifuncionalidade das paisagens brasileiras, compatibilizando produção e conservação como sustentáculos de um novo modelo socioeconômico e ambiental de desenvolvimento que priorize a sustentabilidade."
Participantes do Grupo de Trabalho Código Florestal: Aziz Ab´Saber (USP) - Carlos Alfredo Joly (Unicamp e Biota) - Carlos Afonso Nobre (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe) - Celso Vainer Manzatto (Embrapa Meio Ambiente) - Gustavo Ribas Curcio (Embrapa Florestas) - Helton Damin da Silva (Embrapa Florestas) - Helena Bonciani Nader (SBPC e Unifesp) - João De Deus Medeiros (Ministério do Meio Ambiente - MMA) - José Antônio Aleixo da Silva (SBPC e UFRPE, coordenador do GT) - Ladislau Skorupa (Embrapa Meio Ambiente) - Peter Herman May (UFRRJ e Amigos da Terra- Amazônia Brasileira) - Maria Cecília Wey de Brito (ex-secretária de Biodiversidade e Florestas, MMA) - Mateus Batistella (Embrapa Monitoramento por Satélite) - Ricardo Ribeiro Rodrigues (Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal - Esalq-USP) - Rute Maria Gonçalves Andrade (SBPC e Instituto Butantan) - Sergio Ahrens (Embrapa Florestas) - Tatiana Deane de Abreu Sá (diretora da Embrapa).
(Por Jornal da Ciência, EcoAgência, 07/11/2010)