Nos próximos cinco anos, 40% da produção brasileira de etanol estará nas mãos de estrangeiros. A projeção foi apresentada na quarta-feira pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) no Congresso Mundial do Etanol, que reúne em Genebra as maiores indústrias de biocombustíveis.
A projeção foi considerada por empresários como o melhor espelho da revolução silenciosa que sofre o setor no mundo. Após dois anos de uma crise sem precedentes, os produtores de etanol passam por uma profunda reestruturação. A liderança de aquisições e fusões, porém, não está nas mãos de grupos agrícolas, mas sim de grandes empresas petroleiras do mundo.
Quarta-feira, Shell, BP, Petrobrás e outras multinacionais do setor de energia anunciaram que se preparam para fazer investimentos substanciais nos próximos anos no setor de etanol. Para elas, o biocombustível é a opção “mais realista” para complementar o petróleo nos próximos 30 anos e, nessa estratégia, o Brasil é o principal alvo.
“Para as multinacionais de energia, o etanol é visto como uma fonte de energia mais acessível que o petróleo no Ártico, as reservas nos países da Opep ou a gasolina da Venezuela”, admitiu James Primrose, chefe de estratégia da BP Biocombustíveis. “Estamos vendo a entrada das multinacionais do petróleo no etanol e isso promoverá uma mudança enorme no setor”, disse Alexis Duval, diretor financeiro da francesa Tereos.
“Na prática, estamos vendo o nascimento de um novo setor”, disse Christoph Berg, gerente da consultoria F.O. Licht. O Brasil, segundo consultores, multinacionais e usineiros, está sendo o campo de provas dessa transformação. Em cinco anos, cem usinas se somaram às trezentas que já existiam no País e os investimentos chegaram a US$ 20 bilhões. O resultado foi uma ampliação da participação do capital internacional no setor considerado até pouco tempo como carro-chefe da diplomacia comercial do presidente Lula.
“Em 2007, apenas 7% do setor do etanol do Brasil estava em mãos estrangeiras. Nossa previsão para 2010 era de que essa taxa chegaria a 12%. Mas o que vimos foi que o número hoje já é de 22%”, disse o representante chefe da Unica para a União Europeia, Emmanuel Desplechin.
Essa tendência vai continuar e até se aprofundar. “Nos próximos cinco anos, a projeção é de que 40% do setor seja já internacionalizado no Brasil”, destacou. Segundo ele, os investimentos desde 2005 permitiram uma expansão da produção do etanol de 70% no País.
Consolidação
Outra tendência que deve ser acelerada é a da consolidação do setor. O processo ganhou velocidade nos últimos dois anos diante da crise e do fato de que muitos usineiros não sobreviveram. Mas, hoje, os dez maiores grupos que atuam no Brasil controlam apenas 28% da produção.
A Petrobrás já prometeu investir US$ 3,5 bilhões em etanol até 2014, principalmente em alianças com grupos estrangeiros. Segundo Marcelo Messeder, diretor da Petrobrás Biocombustível, a meta é a de ter uma expansão na produção de 193% em quatro anos. Já as exportações aumentariam 135% nesse período.
Um dos contratos fechados neste ano pela Petrobrás foi com a Tereos. Ambas investirão US$ 2,4 bilhões até 2013 para transformar a Guarani, controlada pela Tereos, em uma líder no setor.
Outra gigante que aposta no etanol no Brasil é a Shell, que investiu US$ 12 bilhões em uma joint venture com a Cosan para criar a primeira multinacional do setor. Em entrevista ao Estado, Luis Scoffone, vice-presidente da Shell para energias alternativas, admitiu que a multinacional busca novas usinas para comprar. Segundo ele, o investimento anunciado até agora é apenas “uma parte da história”. “Nossas metas vão bem além do Brasil”, afirmou.
(Por Jamil Chade, de O Estado de S. Paulo, EcoDebate, 05/11/2010)