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direitos quilombolas
2010-11-04 | Tatianaf

Quase um ano após as prisões arbitrárias de quilombolas do norte do Estado, o Ministério Público Federal no Estado (MPF/ES) ajuizou duas ações civis públicas contra o governo capixaba, uma por danos morais coletivos e outra por danos morais individuais, que requerem indenização aos presos e algemados ilegalmente pela Polí¬cia Militar, no dia 11 de novembro de 2009.

Membros da comunidade de São Domingos do Norte, em Conceição da Barra, os quilombolas foram alvo de operação realizada sem determinação judicial e nenhum auto de prisão em flagrante foi registrado.

Na ação civil pública de ressarcimento por danos morais individuais, o MPF pede que o Estado seja condenado ao pagamento de R$ 200 mil aos quilombolas presos ilegalmente.

Já na ação civil pública de ressarcimento por danos morais coletivos, o órgão quer a condenação do Estado ao pagamento de outros R$ 50 mil ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos do Ministério da Justiça. Esse fundo tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estático, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.

Para a operação que prendeu os quilombolas, autorizada pelo juiz do município Marcos Antônio Barbosa Souza, foi disponibilizado um verdadeiro aparato de guerra, com cerca de 100 policiais de tropas especiais de choque, fortemente armados, cavalaria, ambiental e do grupo de apoio operacional da PM, além de cavalos e cachorros, contando ainda com apoio de milicianos da Garra – segurança armada da ex-Aracruz Celulose (Fibria).

Contra os negros, havia a acusação de roubo de eucalipto da transnacional. Mas sequer houve apreensão de madeira.

Os quilombolas foram transportados em ônibus e camburões da sua comunidade, na zona rural, para a delegacia do municí¬pio vizinho, São Mateus, a 40 km de distância. Ficaram detidos das 9 às 18 horas sem alimentação e sem possibilidade de contato com familiares, advogados ou com outros órgãos públicos.

Depois das oitivas, já no iní¬cio da noite, foram liberados, mas não tinham como voltar para suas casas porque não havia ônibus regulares e vários deles não tinham dinheiro. Caso fizessem o trajeto a pé, gastariam mais de cinco horas. Como eles foram conduzidos pela PM à  delegacia do municí¬pio vizinho, deveriam ter sido levados de volta pelo menos até a delegacia do seu município de origem, como é relatado na ação.

As investigações apontaram que a PM realizou pelo menos 39 prisões na comunidade de São Domingos, embora tivesse em mãos apenas nove mandados de busca e apreensão. Para o MPF, houve desproporcionalidade do aparato policial para o cumprimento dos mandados de busca e apreensão com o claro intuito de amedrontar as comunidades quilombolas.

Além de presos ilegalmente, algemados sem motivo e transportados para outro municí¬pio, os quilombolas tiveram os celulares apreendidos e foram fotografados. Não se sabe, entretanto, qual a finalidade dessa identificação fotográfica, já que ela não foi incluí¬da no inquérito policial, segundo o Ministério Público Federal.

Para o MPF, houve, por parte da Polícia Militar e do Estado do Espí¬rito Santo, abuso de autoridade, inabilidade, falta de adequado planejamento, pressa, desobediência a ditames legais, uso excessivo e inadequado de força e relação espúria com uma das partes interessadas, já que, antes da operação, o grupo de policiais utilizou como “base” local próximo às instalações da ex-Aracruz Celulose (Fibria). As ações tramitam na 1ª Vara Federal de São Mateus.

O caso dos abusos contra os negros também foi levado ao conhecimento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da Secretaria de Estado de Justiça (Sejus), mas ainda sem providências.

Os restos de eucalipto são usados pelos negros para produção de carvão, única atividade que restou às comunidades negras do antigo território do Sapê do Norte, que integra os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, após a chegada da Aracruz, no período da ditadura militar. Sem alternativas de subsistência, resultado dos impactos ambientais, sociais e econômicos promovidos pela transnacional, é de onde tiram alguma fonte de renda para sobreviver, em meio aos eucaliptais.

Intimidação
Na operação do dia 11 de novembro, a polícia foi à casa de Berto Florentino e o acusou de participar da “máfia das madeiras”, aplicando-lhe uma multa de R$ 3,6 mil, devido à existência de um forno para a produção de carvão na região. Em seguida, jogou seus móveis no chão, e levou a família inteira à delegacia, inclusive, um filho cego, Sabino Cardoso Florentino. Ações semelhantes já haviam sido registradas outras duas vezes.

Berto reside na comunidade de Domingos do Norte, e está marcado para morrer. Além de integrar o Ticumbi, lidera a colheita de sobras de eucalipto da Aracruz, que é lixo para a empresa. É, portanto, um dos principais alvos da transnacional.

Sob alegação de que ele possuía armas, até uma ardilosa situação já chegou a ser armada contra Berto, resultando na invasão e depredação de sua casa, por policiais da Bahia e do Espírito Santo. Posteriormente, a polícia de Conceição da Barra invadiu a residência do líder quilombola, pelas mesmas razões. As duas operações não encontraram armas. E os casos nunca resultaram em qualquer tipo de punição.

(Por Manaira Medeiros, Século Diário, 04/11/2010)


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