A redução drástica da população de algumas espécies de peixes e crustáceos e o desaparecimento de outras foram tema de debate na Conferência da Biodiversidade, em Nagoya, Japão, que acabou na sexta-feira. Especialistas repisaram o alerta: por milênios o ser humano encarou o mar como fonte inesgotável de alimento, mas isso não vale mais, não no planeta de 6,6 bilhões de habitantes. O grande vilão do fenômeno é a pesca desordenada, que no Brasil já ameaça mais de 80% dos estoques do Sul e Sudeste e 50% no Norte e Nordeste. Reportagem de Karina Ninni, Especial para O Estado de S.Paulo.
O relatório Global Ocean Protection, recém-lançado em Nagoya, é claro. “Alguns estoques estão próximos do colapso e não deveriam mais ser pescados. E todos deveriam ser alvo de planos de uso sustentável de longo prazo”, afirma Caitlyn Toropova, uma das autoras do estudo.
Relatório divulgado este mês pela ONG World Wildlife Foundation indica que 70% das espécies comerciais do mundo, como o bacalhau do Atlântico Norte e o atum do Mediterrâneo, estão com estoques baixos.
No Brasil, o Censo da Vida Marinha divulgado este mês pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) indica que, das 1.209 espécies de peixes catalogadas na costa e nos estuários, 32 são sobre-exploradas. O caso dos crustáceos é ainda pior: a sobrepesca afeta 10 de 27 espécies.
A situação é agravada pela falta de políticas de ordenamento da atividade pesqueira. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)calcula em 350 mil o número de pescadores profissionais do País, que respondem por 70% da captura de espécies marinhas na costa. De acordo com o MPA, existem 60 mil embarcações artesanais e cerca de 10 mil industriais nos 3,5 milhões de quilômetros de quadrados de mar sob jurisdição brasileira.
Pelos números oficiais, foram tiradas dos mares brasileiros 585.671,5 toneladas de pescado em 2009. Mas o sistema de licenciamento, a permissão para a pesca de uma determinada espécie, foi criado nos anos 70 e 80, quando os estoques eram outros.
“É comum, na ausência de um recurso para o qual tem permissão de pesca, que o pescador se volte para outro. A verdade é que não se sabe quem está pescando o quê e com qual licença”, diz o professor Jose Angel Alvarez Perez, integrante do Grupo de Estudos Pesqueiros da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina.
Segundo Perez, existem espécies em que há sobrepesca há décadas, para as quais não se deveria mais conceder licenças de captura, como a corvina. “E há outras, como os linguados, para as quais não há nenhuma instrução normativa para a captura.”
“Na Europa, diferentes países dividem os recursos e isso favoreceu a normatização e a geração de informações. Os primeiros relatos de sobrepesca na Europa datam do século 19”, afirma Antonio Olinto Ávila da Silva, pesquisador do Instituto de Pesca (IP) de São Paulo.
No entender de Perez, da Univali, o problema não é tanto de falta de informação, mas de adoção de políticas efetivas. “Em 2004 o MMA lançou uma lista das espécies ameaçadas de extinção e pela sobrepesca. A ideia era que, a partir da lista, o sistema de licenciamento para embarcações pesqueiras fosse revisto.”
A presidente da Associação Litorânea Extrativista do Estado de São Paulo Isaura Martins dos Santos, de 54 anos, confirma a informação sobre o déficit de monitoramento. “A gente pesca tudo quanto é tipo de peixe, carapeva, parati, peixe-espada, corvina. Não fazemos uma pescaria específica, isso só de camarão, mas o que acontece é que a escassez é para tudo. O que diminuiu foi a quantidade, não o tamanho”, argumenta Isaura, que, além de pescar há 24 anos, é casada com um pescador.
Um dos problemas apontados por especialistas é a falta de entrosamento entre as instituições responsáveis pelo licenciamento e pela fiscalização da pesca. “Imaginávamos que a criação do Ministério da Pesca fosse melhorar o problema da governança, mas isso não aconteceu, porque o MPA e o MMA não trabalham integrados. O MPA existe para fomentar a produtividade e tem mais força política do que o MMA”, diz Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de oceanos do Greenpeace.
Passivo. “A nova Lei de Pesca foi sancionada no ano passado, mas há três anos estamos criando um novo sistema de permissões. Só que o passivo é muito grande”, diz Cleberson Carneiro Zavaski, secretário-executivo do MPA. “No passado foi incentivado um crescimento desordenado que potencializou a sobrepesca de algumas espécies.”
Para Ávila, do IP, é preciso diferenciar sobrepesca de colapso. Segundo ele, se bem administrada a sobrepesca é uma ferramenta importante para o manejo dos estoques. “Quando você pesca mais do que deveria, significa que o estoque que ficou na água vai ter mais condições de se reproduzir: mais espaço, mais alimento etc. Só quando há sobrepesca por anos seguidos é que os estoques começam a cair.”
“A pesca tem uma importância muito mais social do que econômica e as políticas públicas deveriam levar isso em conta. No Estado que mais pesca no País, Santa Catarina, a participação da pesca no PIB é risível”, diz Ávila. “O processo de gestão pesqueira tem de ser participativo. Não adianta criar uma boa lei se não houver um trabalho intenso com uma população pouco alfabetizada, para a qual a pesca artesanal é a principal fonte de renda.”
TUBARÃO
Barbatanas, carne, óleo de fígado, cartilagens e peles: tudo se aproveita do tubarão. Por isso ele é cobiçado. O preço do quilo da barbatana do tubarão-martelo-recortado chega a US$ 100.
BACALHAU
O maior estoque do
mundo de Bacalhau do Atlântico Norte (Gadus morhua) está no Mar de Barents, ao norte da Noruega e da Rússia. Ele está na lista de espécies vulneráveis da IUCN
ATUM AZUL
Usado nos sushis, o bluefin” está tão ameaçado que tem cotas de captura na Europa. Em junho, a temporada de pesca foi abreviada, porque a cota foi superada. Os estoques caíram 80% em 40 anos
CORVINA
Espécie mais pescada no Sudeste depois da sardinha, está sobre-explorada há três décadas. É capturada com outras espécies por pescadores que têm licença para “peixes diversos”
LAGOSTA
Em 1995, o Brasil pescou 10.338 toneladas de lagosta, o maior volume dos últimos 15 anos. Depois, a produção caiu. Hoje está na casa das 7 mil toneladas. O Nordeste é o maior produtor do País
CAMARÃO-ROSA
Está na lista de espécies sobre-exploradas do MMA. O volume pescado oscila bastante historicamente. Em 2006, foi registrada a maior captura dos últimos
anos: 12.382 toneladas
COLABOROU REJANE LIMA
(EcoDebate, 03/11/2010)