Qual o maior desafio para uma Mega Cidade? Uma classe política com uma visão estratégica pequena ou a arrogância?
Eu diria que as duas coisas são igualmente perigosas, mas a arrogância é ainda mais perigosa, porque não permite enxergar o óbvio, aliado a uma economia crescente e grande mobilidade social, temos aí o retrato das nossas cidades. A cidade de São Paulo possuí uma das maiores taxas de morosidade do trânsito do Mundo, recordes e mais recordes são batidos todas as sextas-feiras, algo em torno de 200 km de morosidade e cerca de 2 e 3 horas para chegar ao destino final. Mas a população parece estar satisfeita com este cenário, os jornais da cidade, noticiam diariamente os problemas decorrentes da (falta) política da mobilidade, mesmo assim a população parece não se incomodar, passando a maior parte do tempo no trânsito ou nas filas de ônibus, metrô, na poluição ou refém de greves e alagamentos. Esse problema vem se repetindo ao logo dos anos e a tendência é aumentar, nada de novo, o problema é conhecido desde que o automóvel foi incorporado nas nossas vidas.
Mas será mesmo que o carro é a razão do trânsito nas cidades? Não é assim que pensam as autoridades alemãs de Mobilidade e Transportes , em nenhuma cidade alemã tem sequer um projeto de restrição de automóveis, nem nas cidades onde o Partido Verde governa. Agora, como é que a Alemanha, 10o. país do Mundo com maior a taxa de motorização ( o Brasil está na 65a. Posição) , consegue ter uma mobilidade extremamente sustentável e uma excelente qualidade de vida?
O Alemão não quer restringir a venda de automóvel, isso seria um contra-senso num país que inventou o automóvel e é a sede das grandes indústrias do setor automotivo. No entanto, eles conseguiram estimular o uso de transportes alternativos tais como uso de bicicletas e caminhadas para distancias curtas e isso faz toda a diferença.
A população brasileira quando consultada por diversas pesquisas nacionais , sempre respondem que se tivéssemos um "transporte Público" de qualidade, isso poderia mudar a forma de deslocamentos delas. Hoje o transporte público ( que já é de boa qualidade) não consegue atender a demanda de deslocamentos 28 % (por transportes públicos) de todos os deslocamentos da cidade . Muito mais se contar com os 34% da população que anda a pé por falta de recursos financeiros ( segundo pesquisa origem e destino do metrô) e os 31 % que realizam seus deslocamentos através do carro. Qual o número de transportes públicos de "qualidade" necessários para atender essa demanda ? ou seja, além dos 28% que já são usuários de transportes públicos, mais outros 60% ( dos que automóveis e os sem dinheiro) ? Pensar desta forma, é totalmente irreal, não acontece em nenhum lugar do mundo, o transporte público coletivo é apenas parte do processo de Mobilidade Urbana, mas está longe de ser a única solução.
A solução adotada pelos países desenvolvidos é "convencer" a maior parte da população ( inclusive idosos) a adotarem a bicicleta como meio de transporte. Para isso, é preciso ter vontade política que não seja apenas a criação de infraestrutura tais como ciclovias, ciclofaixas, ruas compartilhadas etc… é necessário a criação de políticas públicas favoráveis ao desenvolvimento de uma mobilidade urbana mais sustentável.
Veja bem como as principais capitais estão se preparando para Copa do Mundo de 2014. Elas estão criando infra-estrutura de BRTs ( Bus rapid Transit) que são corredores de ônibus parecidos com o sistema de ônibus da cidade de Curitiba. Mas não estão criando nenhuma estratégia de desenvolvimento de Mobilidade Urbana Sustentável, o que isso significa?
Vamos pegar o exemplo de Berlim, na Copa do 2006, após longo processo de planejamento, eles chegaram a conclusão de que além de infra-estrutura, melhoria no sistema viário, cicloviário, metroviário e ferroviário, eles deveriam investir no "convencimento" da população a utilizarem a bicicleta como meio para se deslocarem na cidade durante a copa do Mundo. Por vários motivos, entre eles o aumento da taxa de utilização do modal "Bicicleta" em 10%, isso deixaria o transporte público mais eficiente em relação ao número de turistas atraídos para o evento. Desta forma não haveria a necessidade de "grandes investimentos de ampliação de transporte para atender turistas" para que depois dos jogos da Copa ficassem sub utilizados. O investimento em transportes públicos seria suficiente para atender a demanda de transportes públicos no período de sazonalidade, tais como o período de Inverno ( atender os novos ciclistas).
O significado de falta de política de mobilidade sustentável, será cidades cada vez mais degradadas, cada vez mais incapacitadas para lidar com a demanda crescente de deslocamentos e caos nas ruas das cidades e em decorrência disso, gastos enormes com infra-estrutura, transportes públicos ineficientes e saúde. Mas não tem problema, nada que 3 ou 4 horas de trânsito não resolva.
(Por Lincoln Paiva, Mobilidade Sustentável, 03/11/2010)