O mundo deu mais um passo rumo à conservação das espécies e à proteção da biodiversidade. Isso porque, nas últimas horas do último dia da 10ª Conferência das Partes sobre Diversidade Biológica (COP-10), que terminou ontem em Nagoia, no Japão, posições antagônicas se flexibilizaram e os ministros dos quase 200 países que participavam da convenção conseguiram chegar a um acordo sobre o assunto. O passo poderia ser maior, mas diante das visões tão divergentes, que chegaram a paralisar as discussões da conferência, as delegações consideraram o acordo final, que durará 10 anos, a realização de um sonho. Reportagem de Max Milliano Melo, no Correio Braziliense.
O Brasil, com sua principal reivindicação atendida ‘a distribuição de recursos pelo uso da biodiversidade, conhecida pela sigla em inglês ABS’, saiu satisfeito da convenção. ‘Não é o melhor que poderia ser feito, mas estou satisfeita com o resultado que alcançamos, especialmente quando lembramos a complexidade da questão tratada aqui. O Brasil provavelmente não apresentaria um texto final como esse, mas, considerando o grande conjunto de nações envolvidas, os resultados foram realmente satisfatórios’, avaliou a ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, logo após o término da COP-10. ‘Nós queríamos mais, mas quando não temos consenso, temos que ser pragmáticos. Tivemos que conciliar opiniões e os resultados foram esses. Não é excelente, mas é bom’, completou a ministra.
O caminho até o acordo foi longo. Já na primeira fase das discussões, que contava apenas com a participação de técnicos dos 197 países, as negociações ficaram travadas. Dois grupos – um liderado pelo Brasil, que defendia o pagamento pelo uso da biodiversidade, e outro encabeçado pela União Europeia, contrário a tais obrigações – travaram uma verdadeira queda de braço, não conseguindo costurar um pré-acordo. ‘Será que agora o interesse econômico dos europeus está se sobrepondo ao interesse de uma boa resolução nesta COP’, chegou a questionar o superintendente de Conservação do WWF Brasil, Cláudio Maretti.
Com a chegada dos ministros de Estado, as discussões, ainda que lentamente, começaram a avançar. Na tentativa de estimular um acordo, o governo anfitrião anunciou a doação de US$ 2 bilhões anuais para auxiliar as economias em desenvolvimento a proteger seus biomas. Ativistas internacionais, como o ator Harrison Ford, lotaram os corredores do imponente centro de convenções de Nagoia, na tentativa de convencer os delegados a chegarem a um acordo sobre a preservação ambiental para os próximos 10 anos.
‘A biodiversidade e os ecossistemas fornecem uma série de serviços ambientais gratuitos que nos afetam no curto e no longo prazo. Temos de valorizar esses serviços, atribuir valor monetário a eles, e perceber que degradar esses serviços é uma insensatez. Inclusive do ponto de vista econômico’, defendeu o artista norte-americano.
As chuvas torrenciais que tomaram conta de Nagoia desde a quinta-feira deram o tom dramático que a conferência assumiu. Dezenas de relatórios e pesquisas foram apresentados em eventos paralelos, mostrando como a preservação ambiental pode ajudar a reduzir os efeitos da mudança do clima, ou quanto pode ser vantajoso economicamente preservar as espécies. ‘Não estamos blefando’, afirmaram alguns membros da delegação brasileira sobre a disposição de só aceitarem um acordo se a recompensa pelo uso da biodiversidade estivesse prevista.
A corrida contra o relógio aumentou nos últimos dias de discussões. ‘Avançamos muito, o problema é que temos pouco tempo’, declarou a ministra Izabella Teixeira, depois de reuniões que se estendiam pela madrugada. Mesmo assim, até o penúltimo dia da conferência, ainda não se havia chegado a um consenso sobre os pontos mais polêmicos: a adoção da ABS e a contribuição dos países ricos para que as nações em desenvolvimento possam preservar sua biodiversidade.
“Direito autoral”
Para evitar a repetição do fracasso da Convenção sobre Mudanças Climáticas em dezembro do ano passado, na Dinamarca, o governo japonês interveio e providenciou, no último dia, um acordo que abarcasse pontos definidos pelos grupos encabeçados pelo Brasil e pela União Europeia, aprovado com efeito vinculante ou seja, os países signatários são obrigados a cumpri-lo. O documento foi aprovado por volta das 2h de sábado (horário local).
Segundo o texto, os países estipulam o Plano Estratégico, com 20 pontos que devem nortear as ações de preservação nos próximos anos. O ponto mais polêmico, a ABS, foi incluído no agora chamado Protocolo de Nagoia. Isso significa que passa a existir uma espécie de ‘direito autoral’ genético, que dá a um determinado país direito econômico sobre o uso das espécies – como em pesquisas científicas, por exemplo – de seu território.
Já o outro ponto polêmico (a injeção de recursos provenientes dos países ricos na preservação do meio ambiente) não foi plenamente aprovado. Fora os US$ 2 bilhões já prometidos pelo Japão, os demais países não se comprometeram em liberar mais valores. ‘Ficamos desapontados com o fato de os países mais ricos terem vindo a Nagoia com os bolsos vazios’, disse Jim Leape, diretor-geral do WWF Internacional. Mesmo assim, as nações desenvolvidas se comprometeram a desenvolver pesquisas para a criação de um fundo para esse fim depois de 2012.
Por outro lado, os países que abrigam a biodiversidade deverão, até 2020, manter 17% das florestas e 10% dos ecossistemas marinhos em áreas de proteção ambiental. O desmatamento deve ser reduzido em 50% ou 100% nos locais ‘onde for possível’, e devem ser combatidos a pesca excessiva e os incentivos governamentais a atividades que causem sobre-exploração natural.
Apesar de o resultado não abarcar todas as propostas de preservação defendidas, o resultado foi bem melhor do que se desenhava no início da semana passada, quando as negociações não conseguiam avançar com rapidez. O resultado foi comemorado pelo ministro japonês do Meio Ambiente, Ryu Matsumoto. “Este é um sonho que todos os países tinham em mente há muito tempo”, disse.
Acordo para proteger biodiversidade prevê 20 metas até 2020
France Presse
NAGOYA – Os 193 países-membros da Convenção para a Diversidade Biológica (CBD) adotaram, esta sexta-feira (29/10), em Nagoia (Japão), um plano estratégico, embora juridicamente não vinculante, para a proteção ambiental, que propõe 20 metas até 2020.
Os pontos mais concretos do plano são os seguintess:
- Eliminação das “subvenções nefastas” ao meio ambiente
Até 2020, “as subvenções nefastas para a biodiversidade serão eliminadas, reduzidas progressivamente ou reformadas com a finalidade de reduzir ao mínimo ou de evitar os impactos negativos”.
- Evitar a superexploração das reservas pesqueiras
Até 2020, “todas as reservas de peixes, intervebrados e plantas aquáticas serão administradas e coletadas de forma sustentável, legal e aplicando enfoques ecossistêmicos de forma a evitar a superexploração”.
- Ampliar as áreas protegidas, em terra e no mar
Até 2020, “17% das superfícies terrestres e de águas internas (contra 13% atuais) e 10% das zonas marinhas e costeiras (1% atual) serão conservadas, através de administrações ecologicamente representativas e bem relacionadas com áreas protegidas de forma eficaz e sustentável”.
- Restauração de, pelo menos, 15% dos ecossistemas degradados
Até 2020, “a capacidade de resiliência dos ecossistemas e a contribuição da diversidade biológica às reservas de carbono serão melhoradas, graças a medidas de conservação e restauração, compreendida a restauração de pelo menos 15% dos ecossistemas degradados, contribuindo assim para a atenuação das mudanças climáticas e a adaptação a elas, bem como na luta contra a desertificação”.
(EcoDebate, 01/11/2010)