A disputa entre as empresas Ambitec Ltda. e Estrutural Construtora e Incorporadora Ltda. em torno do contrato de recolhimento de lixo do município de Aracruz, avaliado em R$ 13 milhões, deve gerar um conflito ainda maior na Justiça. Em lados opostos, surgem dois sistemas de poder bem representativas no Judiciário capixaba. Enquanto a Estrutural força a sua investida no setor com base nas relações de Braulino Gomes, primo do governador Paulo Hartung, a paulista Ambitec já teve de recorrer aos serviços da banca de parentes de desembargadores em ação iniciada em 2002, até então considerados escritórios tradicionais do Judiciário.
Na última semana, a juíza da Vara de Feitos da Fazenda estadual do município, Trícia Navarro Xavier, suspendeu os efeitos da concorrência pública aberta pela prefeitura e vencida pela Ambitec Ltda., que já presta este tipo de serviço em Aracruz. A medida liminar concedida na ação apresentada pela Estrutural – que se queixou de procedimentos na fase de licitação – ainda notificou as demais empresas que participaram da licitação, cujos valores saltaram dos atuais R$ 8 milhões para a casa dos R$ 13 milhões.
Por conta disso, a prefeitura anunciou a renovação do contrato com a Ambitec, de forma emergencial, no valor de R$ 6,4 milhões pelo prazo inicial de seis meses – período máximo para este tipo de contratação. Procedimento considerado legal pelo caráter de utilidade pública dos serviços de recolhimento de lixo. Fato que também indica que o assunto está longe de ser resolvido. Mais do que isso, a disputa judicial que se avizinha impõe a questão sobre qual sistema sairá vencedor desta queda de braço.
Apesar de a sede da matriz da empresa ser localizado no estado de São Paulo, a Ambitec Ltda. possui uma filial em Aracruz e já foi representada em demandas judiciais pelo advogado Aloízio Faria de Souza Filho – sobrinho do desembargador aposentado Alinaldo Faria de Souza, denunciado no Naufrágio. O advogado também é sócio de Rodrigo Campana Tristão, filho do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) Adalto Dias Tristão.
O advogado Aloízio Faria de Souza Filho atuou como advogado da Ambitec em uma ação civil pública movida no ano de 2002 pelo Ministério Público Estadual (MPES) contra a prefeitura de Aracruz, a Câmara de Vereadores e a empresa paulista, em virtude da doação de um aterro sanitário para a companhia. Até a época, era comum as empresas de fora do Estado recorrerem a este tipo de escritório, apontados até então como tradicionais na esfera do Judiciário.
Apesar da participação dos parentes de desembargadores, o juiz de 1º grau acolheu a denúncia do MP em junho de 2008 e declarou nula a doação. No entanto, a empresa ainda recorre da decisão judicial contrária no TJES. Hoje, a empresa paulista possui defesa própria com advogada estabelecida fora do esquema das grandes bancas. O que pode acabar sendo uma presa fácil do sistema de poder relacionado ao governador dentro do Judiciário capixaba.
Do outro lado aparece a Estrutural Construtora, empresa de sucesso durante a gestão Paulo Hartung, primo do dono da empresa. Ela conta com esse tipo de relação. O sócio majoritário da Estrutural, Braulino Gomes, viu sua pequena companhia no setor de construção civil ser elevada ao patamar de grande vencedora das licitações de grandes obras públicas – e agora no setor de recolhimento de lixo. A influência do primo de Braulino foi considerada pelos meios políticos fundamental para a ascensão da Estrutural. No Judiciário, tal influência é ainda maior.
Nos dois últimos anos, a Estrutural Construtora e Urbservice Serviços Urbanos – outra empresa de Braulino que vinha sendo aproveitada em contratos da área de limpeza pública – faturaram mais de R$ 103,5 milhões na prestação de vários tipos de serviços. Entre os principais clientes aparecem secretarias e órgãos do governo do Estado, além de prefeituras nas mãos de aliados do governador. A mais recente conquista no setor foi um aditivo ao contrato de recolhimento de lixo em São Mateus: por mais 30 meses no município, a Urbservice receberá R$ 31,32 milhões.
Dentro do Judiciário, o governador contou desde o início do mandato com a articulação do desembargador Álvaro Bourguignon, peça fundamental na inclusão do TJES no “arranjo institucional” imposto por Hartung. Na função de principal interlocutor do esquema, o ex-presidente interino do TJES atuou com desenvoltura nas gestões de Jorge Góes Coutinho (eleito presidente ao furar a fila de antiguidade com apoio de Hartung) e Frederico Guilherme Pimentel, em especial, após seu afastamento em função do envolvimento do então presidente nos episódios de corrupção flagrados pela “Operação Naufrágio” no final de 2008.
Bourguignon teve papel importante na indicação de aliados para posições de destaque na estrutura do Judiciário capixaba. O caso mais comentado é do juiz Rodrigo Cardoso Freitas, ex-assessor de Bourguignon e irmão de Fernando Cardoso Freitas, ex-sócio do presidente interino do TJES em um escritório de advocacia que ocupou por anos a cobiçada Vara de Feitos da Fazenda Estadual de Vitória.
O desembargador também teve papel fundamental nas promoções de juízes para o Tribunal Pleno. Ele foi um dos principais insiders na promoção de Samuel Meira Brasil Júnior, por merecimento, em 2007. O calote dos precatórios da trimestralidade, como ficou conhecido, foi a principal ação de Samuel Meira na cadeira de desembargador, em pouco mais de dois anos de sua promoção ao posto. A decisão desobrigou o governo do Estado de pagar uma dívida de R$ 6 bilhões a ex-servidores e pensionistas.
(Século Diário, 28/10/2010)