A tão esperada assinatura do decreto de homologação das terras indígenas recuperadas pelos Tupinkim e Guarani do norte do Estado em 2007, está prevista para ocorrer em meados de novembro próximo. Em contato com o Gabinete da Casa Civil, a deputada federal reeleita Iriny Lopes (PT) obteve informação de que o presidente Lula já manifestou interesse em finalizar o processo em breve. Expectativa foi repassada aos caciques nesta quarta-feira (27), em reunião promovida pela deputada em Aracruz, com o objetivo de debater projetos de desenvolvimento sustentável para as comunidades indígenas.
O encontro contou também com a participação da ex-Aracruz Celulose (Fibria), que foi obrigada a devolver o território indígena que explorava desde a ditadura militar; da Petrobras, já que as terras também são área de influência da estatal, de representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Federal do Estado (Ifes) e ainda prefeitura do município. O Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), apesar de convidado diante da possibilidade de conceder linhas de financiamento para a agricultura familiar aos índios, não compareceu.
Durante a reunião, Iriny Lopes fez uma retrospectiva de todo o processo de recuperação de parte do território indígena ocupado pela ex-Aracruz, que se deu após intensa e sofrida luta dos Tupinikim e Guarani. O que culminou com a devolução de 11.009 hectares - dos 40 mil hectares pertencentes aos índios no norte do Estado - e a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual a transnacional também deveria indenizar os índios em R$ 3 milhões.
Entretanto, o primeiro repasse, de R$ 1,2 milhão, só ocorreu em 2008 e, mesmo assim, sob protesto da comunidade. O restante seria pago após a conclusão dos estudos etnoambientais no território, realizados pela Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), com o objetivo de quantificar os impactos ambientais gerados pela monocultura nas terras indígenas, assim como as alternativas para recuperação da área e atividades de sustentabilidade das famílias indígenas.
O problema é que esses estudos não só atrasaram, como foram apresentados aos índios em audiência pública, também exigência do TAC, em termos muito técnicos. Os índios solicitaram novo encontro, o que não aconteceu. Os mesmos estudos também precisavam ser validados pela 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, mas ficou parado. Agora, a previsão é que o assunto seja pauta de reunião no dia 9 de novembro. As informações são de que já o parecer que será colocado em votação é favorável aos índios capixabas.
Outro ponto que tem impedido às famílias indígenas desenvolverem projetos na área é o processo de criação de um conselho gestor, que está até hoje na Fundação Nacional do Índio (Funai), sem providências. Para viabilizar o repasse de recursos, o TAC determinou que os índios elegessem um conselho e enviasse o processo ao órgão em Brasília, para assinatura, o que também não aconteceu. A promessa, da própria Funai, é que isso ocorra até a próxima semana.
A deputada Iriny garantiu que todos os encaminhamentos apontados durante a reunião desta quarta serão acompanhados por ela, com as devidas cobranças. Resolvidas essas pendências, os índios poderão enfim desenvolver projetos de sustentabilidade. A ex-Aracruz e a Petrobras manifestaram algumas possibilidades, mas que precisam primeiro ter estas questões sanadas.
A iniciativa da deputada é paralela ao TAC e visa a consolidar articulações mantidas com o Ifes, instituição que Iriny considera fundamental para a capacitação e fomento dos projetos de sustentabilidade aos índios, o que possibilitará avanços para a autogestão das comunidades, como apontou.
Ela citou como exemplo a necessidade de implementação de projetos multifamiliares de agricultura em áreas que eram eucaliptais; o acesso a empréstimos de apoio a agricultura familiar; estudo de viabilidade para criação de uma reserva de aqüicultura no braço norte do rio e de um centro de venda de produtos indígenas, na ponta da reserva, junto ao posto Rodoviário, próximo ao mar, como vetor de trocas e evidência da presença indígena.
Os 40 mil hectares de terras indígenas no norte do Estado foram ocupados pela ex-Aracruz Celulose (Fibria) com a ajuda do major PM Orlando Cavalcante (membro do extinto “sindicato do crime”). Durante os 40 anos de exploração, além de desmatar a mata atlântica, exaurir a terra e contaminar os mananciais da região, a transnacional deixou os indígenas sem meios de subsistência, ilhados entre eucaliptais.
Neste período os índios lutaram duas vezes para retomar suas terras. A primeira ocorreu na década de 70, e foi responsável pela retomada de 7 mil hectares ocupados de forma ilegal pela empresa. Somente 30 anos depois, os índios retomaram a luta e reconquistaram os 11.009 hectares.
(Por Manaira Medeiros, Século Diário, 27/10/2010)