Nesta terça, 26 de outubro, o movimento Xingu Vivo para Sempre, coalizão de mais de 250 organizações e movimentos sociais que se opõem à construção de Belo Monte, enviou às candidaturas de Dilma Rousseff e José Serra uma carta solicitando que exponham seus projetos no tocante à polemica hidrelétrica.
A usina de Belo Monte tem sido um dos temas ambientais de maior destaque no segundo turno, e foi incluída pela candidata do PV, Marina Silva, entre as os pontos programáticos apresentados ao PT e ao PSDB. Apesar disso, os movimentos sociais e indígenas do Xingu consideraram esquivos os posicionamentos de Dilma e Serra, principalmente diante dos problemas e pendências sociais, ambientais e judiciárias que o cercam.
Leia a íntegra do documento:
Altamira, 26 de outubro de 2010
Car@ candidat@
Na corrida eleitoral deste ano de 2010, vimos como extremamente salutar os resultados das urnas no primeiro turno: o povo brasileiro quer discutir melhor os projetos de governo e o seu futuro nos próximos quatro anos, e está cobrando dos candidatos presidenciais que evidenciem seus posicionamentos referentes a várias questões.
Entre os temas que têm ocupado maior espaço no debate nacional, sem dúvida está a questão socioambiental. E, com destaque especial, o polêmico projeto de construção da mega-hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, no Estado do Pará.
O Movimento Xingu Vivo para Sempre reúne mais de 250 organizações da região de Altamira e do estado do Pará, representando milhares de agricultores, ribeirinhos, indígenas e moradores urbanos ameaçados pela hidrelétrica de Belo Monte. Também inclui entre seus membros alguns dos mais respeitados especialistas em energia e meio ambiente do país (acadêmicos, cientistas e ONGs que acompanham os planos para a construção de hidrelétricas no Xingu desde a década de 1980). Trata-se do fórum da sociedade civil que maior autoridade tem para falar dos riscos e impactos negativos que o empreendimento teria sobre o rio e seus moradores.
Imbuídos desta legitimidade, declaramos ser mentirosa a afirmação de que o projeto de Belo Monte foi amplamente discutido com a população brasileira e, em especial, com os povos do Xingu. Nenhum argumento contrário à obra, apresentado pelas lideranças sociais e indígenas e por especialistas acadêmicos, foi levado em conta pelo governo; audiências públicas ou foram ignoradas, como as de Brasília, ou, no Pará, foram uma farsa, contestada por Ação Civil Pública do Ministério Público Federal; previstas pela Constituição, as oitivas indígenas nunca foram realizadas, ferindo não apenas a Carta Magna, mas convenções internacionais, como a Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Farsa também foi o licenciamento da hidrelétrica, que, apesar de recomendação contrária da equipe técnica do Ibama, teve a Licença Prévia concedida em fevereiro passado sob forte pressão política, que levou à demissão do diretor de licenciamento do órgão. Até outubro deste ano, das 40 condicionantes da Licença Prévia , nove não foram realizadas, duas foram realizadas parcialmente e sobre as demais não há informações. Das 26 exigências da Funai incluídas nas condicionantes da LP, que prevêem ações como demarcação de Terras Indígenas e retirada de não-índios das áreas demarcadas, entre outros, 14 não foram realizadas, duas foram realizadas parcialmente e uma foi publicada. Sobre as demais não há informações. Apesar disso, e contrariando a lei, o Ibama já mencionou a liberação de uma “licença de instalação provisória”, inexistente na legislação ambiental brasileira, que daria ao Consórcio Norte Energia o direito de iniciar as obras ainda em 2010.
Até o presente momento, o processo de planejamento e licenciamento de Belo Monte descumpriu tanto as normas legais quanto outras responsabilidades do empreendedor, o que não deixa dúvidas de que novas “promessas” de cumprimento da lei ou de mitigações nada valem. Por uma simples razão: Belo Monte seria um desastre social, econômico e ambiental sem possibilidade de “consertos”.
Porque construir, a um custo que pode chegar a R$ 30 bilhões, com recursos públicos que sairão do bolso dos contribuintes, uma usina que só produzirá uma média de 39% de sua capacidade instalada? O que justifica destruir a vida de mais de 40 mil ribeirinhos, pequenos agricultores e indígenas, sob um falso pretexto de que nossas vidas são o preço pago pelo desenvolvimento do país? Que desenvolvimento é esse que quer exportar energia e minérios, gerando pouco emprego e deixando destruição? Por acaso somos menos cidadãos, merecemos menos respeito, do que os brasileiros das grandes cidades e donos de grandes empresas eletro-intensivos apenas porque, longe dos holofotes da mídia, vivemos no rio, do rio e do que nos dão as nossas matas?
Lhe escrevemos tudo isso porque gostaríamos que nos dissesse de forma clara e sem rodeios como tratará a questão de Belo Monte, e quais os argumentos que usará para justificar a sua posição.
Lhe afirmamos, no entanto, por tudo que nos é mais caro, pela responsabilidade que temos pela vida do Xingu e de nossas futuras gerações, pela consciência que temos de nosso valor, de nossa dignidade e de nossa cidadania, que continuaremos a lutar por justiça e por um modelo de desenvolvimento que realmente nos inclua e nos atenda, hoje e sempre.
Atenciosamente,
Antônia Melo
Coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre
(EcoDebate, 28/10/2010)