Pela sexta vez em bilhões de anos, a Terra passa por um período de extinção em massa. Um quinto dos vertebrados do planeta estão ameaçados e, em média, 52 espécies de mamíferos, pássaros e anfíbios aproximam-se, a cada ano, da lista dos animais cuja existência não passa de um registro histórico. Mas o cenário pode mudar, segundo um grupo de 174 cientistas de várias partes do mundo, que apresentaram ontem, em Nagoya, durante a 10ª Convenção da Biodiversidade, estudos comprovando a importância das unidades de conservação para a preservação das espécies.
Em uma webconferência transmitida à imprensa mundial, quatro representantes do grupo explicaram que, sem os esforços para proteger espécies ameaçadas, a situação estaria 18% pior. Os estudos, que serão publicados na edição de amanhã da revista especializada Science, tiveram como base as 25 mil espécies registradas pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, em inglês), que cataloga a biodiversidade do globo com a ajuda de mais de 3 mil cientistas, provenientes de 38 países. A lista da IUCN inclui 25% de todos os mamíferos, 13% dos pássaros, 22% dos répteis, 41% dos anfíbios, 33% dos peixes cartilaginosos e 15% dos peixes ósseos de todo o planeta.
Graças aos diversos programas de proteção executados ao redor do mundo, foi possível salvar animais extremamente ameaçados. Os estudos apresentados destacam 64 espécies de mamíferos, pássaros e anfíbios cujas populações aumentaram devido a ações de conservação. Entre elas, três que já estavam extintas da vida selvagem e foram reintroduzidas na natureza: o condor californiano, o ferret-de-pé-preto e o cavalo mongol Prezewalski.
Segundo os pesquisadores, os esforços de preservação têm sido particularmente bem-sucedidos no combate a espécies invasivas em ilhas. A população do rouxinol Copsychus sechellarum, endêmico das Ilhas Seychelles, passou de menos de 15 pássaros, em 1965, para 180, em 2006, por meio do controle de introdução dos predadores. Nas Ilhas Maurício, seis espécies de pássaros saíram da lista de extinção. Entre elas, um falcão cuja população atual é de mais de 1 mil espécimes quando, em 1974, havia apenas quatro.
Insuficientes trilhões
Os resultados ainda são insuficientes, na avaliação dos cientistas, mesmo com os investimentos trilionários na biodiversidade. “Os serviços de ecossistema, como são chamados, são estimados em mais de US$ 33 trilhões por ano, 10 vezes mais do que o orçamento da Inglaterra, por exemplo”, diz Stuart Butcher, um dos pesquisadores que fizeram o estudo. “Mas a biodiversidade está sendo destruída rapidamente pela atividade humana. Os governos mundiais reconhecem isso e, em 2002, eles próprios estabeleceram metas de redução da perda de biodiversidade até este ano. Mas a ciência mostra que estamos falhando em atingir essas metas, e o mundo natural está sendo destruído mais rápido do que nunca.”
De acordo com Butcher, “enquanto os governos têm feito alguns esforços para brecar a perda da biodiversidade, as respostas que dão, em termos de ações, diante das ameaças existentes, são inadequadas”. Daí a necessidade de se revisar as metas no encontro de Nagoya, em vez de discutir ações. “Se a conferência falhar na construção de um acordo, acho que as coisas vão ficar cada vez mais sombrias”, avalia a cientista Anna Rodriguez, que participou da pesquisa. Para ela, faltam, nas mesas de negociação de Nagoya, algumas peças-chave para se chegar a metas ambiciosas em 2020.
“É preciso aumentar o fundo mundial da conservação da biodiversidade pelo menos 10 vezes, de forma que todos os países tenham recursos para implementar as medidas, se tiverem uma chance”, observa Rodriguez. Ela também defende a expansão das áreas de conservação, a construção de um acordo vinculante e uma aproximação maior da Convenção da Biodiversidade com a Convenção das Partes das Nações Unidas para Mudanças Climáticas. “Esses componentes são ncessários se quisermos tomar uma direação séria nos próximos anos”, avalia.
Os cientistas argumentam que, embora os custos da manutenção da biodiversidade sejam altos, a extinção das espécies traz prejuízos ainda maiores. Recentemente, um estudo chamado A economia dos ecossistemas e da biodiversidade, feito nos Estados Unidos, calculou que o custo da perda da natureza chega a US$ 5 trilhões por ano e afeta, predominantemente, as partes mais pobres do mundo. Um quinto das mais de 5 mil espécies de peixes da África estão amecaçadas, por exemplo, colocando em risco a vida de milhões de pessoas que dependem dessa fonte de alimento e renda.
Ameaçada por queimadas, madeireiras ilegais e grileiros de terra, a Amazônia continua, porém, um celeiro de espécies. Um estudo lançado ontem pela organização não governamental WWF na 10ª Conferência da Biodiversidade (CDB, sigla internacional), no Japão, mostrou que, entre 1999 e 2009, pelo menos 1,2 mil novas espécies foram identificadas na região. A publicação, intitulada Amazônia viva, cita a descoberta de 637 plantas, 257 peixes, 219 anfíbios, 55 répteis, 16 aves e 39 mamíferos na região, durante o período. Os pesquisadores também registraram a existência de milhares de invertebrados até então desconhecidos. Isso significa que, em média, três novas espécies são descobertas a cada dia.
No prefácio da edição internacional, o secretário executivo da CDB, Ahmed Djoghalf, lembra que as descobertas reforçam a necessidade de se proteger a maior floresta tropical do mundo. “A perda da floresta tropical tem um impacto profundo e devastador para o mundo, pois essas florestas são muito ricas em biodiversidade. As mais de 1,2 mil espécies novas aqui apresentadas ilustram a riqueza encontrada na maior floresta e bacia hidrográfica do mundo, e também indicam quanto ainda há para aprender sobre esse bioma incrível”, destacou.
“Infelizmente, as pesquisas estão revelando que muitas espécies amazônicas mal acabam de ser descobertas e já estão sob séria ameaça”, lembrou Francisco José Ruiz Marmolejo, líder da Iniciativa Amazônia Viva WWF. “Por exemplo, a descoberta de uma das menores espécies de porco-espinho já registradas foi feita durante uma operação de resgate de fauna na barragem de uma usina hidrelétrica na Amazônia.” O Brasil abriga 60% do bioma.
Até um boto
De acordo com a publicação, entre as novas espécies de mamíferos, estão um boto, sete primatas, dois porcos-espinhos, nove morcegos, seis marsupiais e 14 roedores. Um dos porcos-espinhos foi encontrado no Equador e o outro, no Brasil. “O Coendou roosmalenorum é originário das duas margens do Médio Rio Madeira, no Brasil, um importante afluente do Amazonas e um dos maiores rios do mundo. Notavelmente, essa espécie foi capturada durante o resgate de fauna no local da barragem da Hidrelétrica de Samuel. Com 600g, os cientistas acreditam que o Coendou roosmalenorum possa ser um dos menores membros da família Erethizontidae (roedores arborícolas de grande porte)”, diz o estudo.
Dos primatas, um é endêmico da Amazônia brasileira e, quando descoberto, há 10 anos, estava sendo mantido como animal de estimação por habitantes de um povoado perto do Rio Acari. O sagui-do-rio-acari (Mico acariensis) tem 24cm, pesa 420g e tem pelagem escura. Os poucos estudos sobre a nova espécie ainda não permitem dizer o tamanho da população e as principais ameaças.
“O destino da Amazônia depende, em última instância, de uma mudança significativa na forma com que os países amazônicos estão aderindo ao desenvolvimento. É indispensável que a Amazônia seja gerida de forma sustentável e como um sistema único”, alerta a publicação. “Neste Ano Internacional da Biodiversidade, uma mudança no paradigma do desenvolvimento deve começar, com urgência máxima, para garantir a funcionalidade e conservar a incrível biodiversidade do bioma Amazônia”, lembra Ahmed Djoghalf.
(Por Paloma Oliveto, Correio Braziliense, EcoDebate, 28/10/2010)