Importante fonte de água e pesca, o rio Mekong nasce no Tibet e corre por 1880 km até o oceano Índico, porém o projeto de novas usinas estão colocando em risco o modo de vida de milhões e a estabilidade política da região.
Existe uma previsão que afirma que se atualmente as guerras são motivadas por petróleo, no futuro serão pela água. Cada vez mais parece que essa perspectiva está se consolidando.
Cerca de 65 milhões de pessoas dependem do rio Mekong, que corta a China, Tailândia, Laos, Camboja e Vietnã, como fonte primordial de água e alimento. No começo desse ano, o rio atravessou seu maior período de seca da história e as hidrelétricas chinesas foram responsabilizadas gerando os primeiros conflitos políticos na região.
A China já construiu quatro usinas no rio, incluindo a gigantesca Xiaowan, que possui a mais alta represa do planeta com 292 metros de altura. O país anunciou recentemente que pretende erguer outras quatro hidroelétricas nos próximos anos no Mekong.
Piorando ainda mais as perspectivas de sobrevivência do rio, o Laos anunciou o projeto de 11 usinas no trecho que corta o país. O governo comunista acredita que a venda de energia para as nações vizinhas é uma das melhores alternativas para conseguir recursos para tirar da miséria milhões de pessoas.
Agora a região está diante de uma série de dilemas: Se a China pode construir usinas, por que o Laos não poderia? Como administrar os recursos de um rio que passa por tantos países? Como garantir o modo de vida das pessoas que precisam da água e da pesca? Que impactos todas essas hidroelétricas terão na biodiversidade do Mekong?
Para tentar resolver essas questões foi criada a Comissão do Rio Mekong (MRC) que reúne Tailândia, Laos, Camboja e Vietnã. A China participa apenas como “parceiro de dialogo”.
Nesta semana a comissão divulgou um relatório recomendando que nenhuma nova usina seja construída no fluxo principal do Mekong no Sudeste Asiático nos próximos dez anos. O documento foi publicado dias após o anúncio das hidroelétricas do Laos.
Chamado de “Avaliação Estratégica Ambiental” (SEA, em inglês), o relatório prediz a perda de até US$ 476 milhões por ano para a pesca na região se novas usinas fossem erguidas. Comunidades ribeirinhas que atualmente já estão abaixo da linha da pobreza seriam as mais afetadas.
“Os projetos no fluxo principal resultarão em sérios e irreversíveis danos ao meio ambiente, perdas na saúde pública, na biodiversidade e nos sistemas naturais”, alerta o SEA.
Porém, o documento não é de todo contrário a construção de usinas. Ele recomenda que essa década sem novos projetos seja utilizada para o desenvolvimento de novas tecnologias de geração de energia hidroelétrica, com a parceria de governos, bancos e iniciativa privada.
Meio Ambiente e conflitos
O Mekong faz parte de uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta e todas essas hidroelétricas estão ameaçando diversas espécies que só existem lá, como o bagre gigante que chega a três metros e 300 quilos.
No caso das novas usinas do Laos, grupos ambientalistas alertam que elas afetariam, sobretudo, o afluente Tonle Sap, que é fundamental para a sobrevivência de mais de 41 espécies de peixes.
Além disso, o Tonle Sap tem importante papel no fornecimento de água e comida de diversas cidades do Camboja.
“O que é hoje uma questão ambiental pode chegar a um conflito entre as duas nações”, afirmou Kraisak Choonhavan, deputado do Camboja.
Segundo Nita Roykaew, organizador da campanha “Salve o Mekong”, o rio é um patrimônio de toda a região, algo que transcende questões financeiras.
“O Mekong é muito especial para as pessoas. Os ribeirinhos entendem sua importância porque ele é parte de suas vidas, ele lhes fornece água e alimento. Mas os governos pensam apenas economicamente”, lamenta Oykaew.
O problema do Sudeste Asiático encontra reflexos em diversas outras partes do planeta, como os conflitos entre Estados Unidos e México pela água do rio Colorado e entre Turquia, Síria e Iraque pelas águas dos rios Tigre e Eufrates. Mesmo o Brasil enfrenta problemas com a construção de usinas na Amazônia, pois países vizinhos se sentem prejudicados.
A disputa por recursos naturais deve ficar cada vez mais acirrada e caberá a órgãos internacionais mediar as discussões e tentar realizar partilhas justas. Por isso conferências como a que está sendo realizada no Japão (COP 10) sobre biodiversidade são tão importantes.
(Por Fabiano Ávila, Carbono Brasil, Envolverde, 26/10/2010)