A agenda verde, que ganhou espaço nesta segunda fase da disputa eleitoral com os dois candidatos à Presidência tentando conquistar os votos dos eleitores de Marina Silva (PV), cresce em importância também no governo. Um documento que contou com a participação de 14 ministérios traça um plano para controlar a expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, principal causa do desmatamento.
Depois do segundo turno, deve ser editado um decreto definindo o macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, que foi dividida em dez áreas estratégicas com um plano para cada uma. As atividades que essas áreas poderão explorar – agropecuária, mineração, turismo, entre outras – estão definidas no documento.
Por outro lado, o Ministério do Meio Ambiente, coordenador do plano, teve que ceder em alguns pontos, e agora recomenda o asfaltamento da BR-319, estrada que corta a porção mais preservada da floresta e liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). A rodovia é alvo de polêmicas no governo. Reportagem de Catarina Alencastro, em O Globo.
- Sou radicalmente contra a BR-319, porque tem uma hidrovia ali. Por outro lado, é fácil falar daqui. Vai viver lá. Quando você vai lá e vê a demanda do povo, aí você acha bastante razoável ter um carro que te permita uma mobilidade até Manaus – admitiu a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, esclarecendo que a obra só será feita depois de cumpridas as condicionantes ambientais impostas pelo Ibama durante o processo de licenciamento.
Vocação econômica de cada região será valorizada
Pelo decreto do zoneamento, as dez regiões em que está sendo dividida a Amazônia Legal seguirão suas vocações. O agronegócio terá de ficar restrito agora à parte sul da floresta, onde o desmatamento já é consolidado. Para conter o avanço do gado, principalmente rumo a áreas mais preservadas, o governo vai lançar uma portaria do Conselho Monetário Nacional acabando com a concessão de crédito rural para as unidades territoriais que se localizam no estado do Amazonas, na região de fronteira do Acre com a Bolívia e o Peru, na parte oeste de Roraima e do Amapá, em uma pequena parte de Mato Grosso (que faz divisa com Rondônia), e na porção centro-oeste do Pará.
- Em nenhum momento estamos dizendo que na Amazônia não pode ter pecuária, que é o maior vetor de desmatamento hoje. O que estamos dizendo é que vai ter pecuária em algumas regiões, mas só que você vai ter que mudar completamente a maneira de desenvolver a pecuária nessas regiões. Em outras áreas, não terá pecuária. E não adianta forçar uma vocação que não existe. Assim, você diz que é possível avançar, tirando esses estigmas, mitos, de que não pode isso, não pode aquilo – afirmou a ministra.
No novo mapa traçado para a Amazônia pelo governo, há um trecho, na região central, que funcionará como escudo, separando as áreas consolidadas ao sul (onde se concentra a maior parte dos cerca de 15% de desmatamento que a floresta já sofreu) do norte, ainda bastante preservado. Nessa zona, a estratégia é fortalecer as unidades de conservação existentes e criar condições para que o extrativismo florestal seja mais rentável.
O texto fala em aumentar o aproveitamento sustentável da madeira e alavancar a medicina tradicional. Pequenas unidades industriais com produtos da floresta estão previstas, bem como turismo ambiental. O macrozoneamento vai servir para orientar políticas públicas. O governo diz que se formou “um cinturão madeira-boi que circunda e ameaça a floresta”.
Entre os pedaços da Amazônia mapeados, a porção mais extensa é chamada de “Defesa do coração florestal com base em atividades produtivas”. Ali, a ideia é agregar valor a iniciativas florestais, hoje amadoras, e criar uma certificação de origem para produtos naturais. O governo quer que produtos extrativistas ganhem valor agregado e estuda regime tributário diferenciado para mercadorias da floresta.
Em outras áreas, como o centro-oeste do Mato Grosso e o leste de Roraima, serão incentivadas a pesca e a aquicultura. A ideia é que a pesca amazônica passe da produção atual de 280 mil toneladas para 900 mil toneladas anuais. Já a criação de peixes em viveiros deve passar de 45 mil toneladas para 5,7 milhões de toneladas por ano. Para tanto, o documento coloca a necessidade de se fortalecer a indústria de beneficiamento e de melhorar a infraestrutura de armazenamento do pescado.
Documento não exclui hidrelétricas e gasodutos
Outra deficiência identificada pelo governo é a falta de implementação das unidades de conservação da Amazônia. Embora o presidente Lula tenha criado 24 milhões de hectares em unidades de conservação (95% na Amazônia), os 106 parques e reservas da região não contam com a estrutura necessária.
- Precisamos fazer o que é a nossa obrigação, que é implementar de fato essas unidades, e não só ficar criando unidades de conservação – reconheceu Rômulo Melo, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. O órgão estima serem necessários R$ 159 milhões para montar uma infraestrutura básica nessas unidades da floresta.
O documento não nega a existência de grandes empreendimentos de infraestrutura, como hidrelétricas, gasodutos e estradas, nem a exploração de atividades que combinam pouco com a preservação ambiental. É o caso da mineração, cuja exploração será fortalecida em uma pequena região no centro-leste do Pará e quase toda a porção central do Maranhão.
Nessa região, o forte deverá ser o extrativismo mineral. A estratégia é melhorar a estrutura logística e incentivar o turismo em áreas como o Jalapão. Serão estimuladas ainda atividades como o plantio de florestas para abastecer siderúrgicas com carvão que não é fruto do desmatamento, o carvão verde.
(EcoDebate, 26/10/2010)