Definida nos anos 1970 e renovada na década passada, a aposta no etanol de cana-de-açúcar está entre as mais acertadas políticas públicas brasileiras em todos os tempos. Os fatos falam por si.
- A atividade sucroalcooleira ocupa apenas 1% da área agricultável brasileira.
- A cana-de-açúcar produz 7 mil litros de etanol por hectare (contra 5,5 mil no caso da beterraba; 3,1 mil litros, no do trigo; e 2,4 mil litros, no do milho).
- Uma unidade de energia não renovável utilizada na produção do etanol de cana gera quase nove unidades de energia renovável (contra duas unidades nos casos de trigo e beterraba, e 1,5 no de milho).
- O uso do bagaço de cana como fonte de energia torna as usinas de etanol autossuficientes em eletricidade.
- Por coincidir com o período de estiagem no Brasil Central, a colheita da cana é complementar ao ciclo hidrológico e, portanto, à base hidrelétrica do parque gerador de eletricidade.
- A atividade emprega 835 mil pessoas em cerca de 440 usinas, em níveis salariais dos mais altos no campo. Os filhos dos trabalhadores na indústria sucroalcooleira apresentam nível de escolaridade muito superior a de seus pais.
- O setor favorece a indústria nacional de máquinas e equipamentos (mais de cem empresas especializadas gravitam em torno do pólo de Piracicaba) e de serviços, além de impulsionar obras de infraestrutura.
- Os preços do etanol brasileiro são, há alguns anos, determinados pelas forças de mercado, sem distorções geradas por subsídios governamentais.
- A produção e o uso do etanol no Brasil foram responsáveis, ao longo de 30 anos, por poupar a emissão de 850 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
Os resultados do programa brasileiro de biocombustíveis - que hoje faz do Brasil o único país em que a gasolina é o combustível alternativo - não tardaram a atrair a atenção de investidores internacionais. Estima-se que 25% da propriedade das usinas de etanol estejam em mãos estrangeiras, percentual que já desconta o efeito da joint-venture entre a Petrobras e o grupo francês Tereos para o controle da Açúcar Guarani.
A presença do capital estrangeiro no setor sucroalcooleiro requererá o exame de um conjunto de aspectos. A exemplo da legislação para exploração de petróleo, seria recomendável assegurar que, independentemente da origem do capital das usinas de etanol, o abastecimento interno seja preservado e, sobretudo, que o setor sucroalcooleiro siga como instrumento de segurança energética e desenvolvimento sustentável para a sociedade brasileira.
Como em outros países, seria conveniente que a eventual concessão de créditos públicos a operadores estrangeiros estivesse vinculada, por exemplo, à formação de parcerias com grupos de capital nacional e a planos de ação que favoreçam investimentos nas áreas de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Acima de tudo, porém, convém garantir que uma crescente internacionalização do setor sucroalcooleiro contribua para a consecução de um dos principais objetivos da política externa brasileira na área da energia: a consolidação do etanol como commodity e a consequente formação de um mercado global de biocombustíveis.
Além de prestar grande contribuição no enfrentamento de desafios mundiais - segurança alimentar e energética, mudança do clima e desenvolvimento sustentável -, essa globalização do mercado gerará valiosas oportunidades econômicas e tecnológicas para o Brasil, campeão mundial inconteste em todas as etapas do ciclo de produção de biocombustíveis.
ANDRÉ AMADO é subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores e foi embaixador do Brasil no Peru (2001-2005) e no Japão (2005-2008).
(O Globo, 25/10/2010)