O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina, nesta terça-feira (26), em Brasília, um decreto que instaura o cadastro socioeconômico de pessoas atingidas por barragens. Um comitê interministerial será criado para assegurar direitos a desabrigados e famílias que tiveram perdas relacionadas a construção de reservatórios e grandes obras. A medida é uma reivindicação antiga do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e é o primeiro reconhecimento, por parte do Executivo federal, do impacto de grandes obras sobre famílias desabrigadas e afetadas de outros modos.
Joceli Andrioli, membro da coordenação nacional do MAB, explica que a medida atende a um dos itens de uma pauta entregue ao governo em julho de 2009 e discutidos desde fevereiro. O país não tem órgão público incumbido de garantir direitos a essa população, como pagamento de indenizações e promoção de reassentamentos. "Criar uma forma de reconhecimento dos atingidos e cadastrá-los é um avanço", comemora Andrioli em entrevista à Rede Brasil Atual.
Segundo o MAB, um dos maiores entraves para assegurar direitos a famílias atingidas por barragens está na definição de quem é afetado por uma obra. Atualmente, as empresas vencedoras de cada licitação são encarregadas de definir as ações para mitigar impactos sociais. O decreto é a primeira vez em que haverá possibilidade de se definir um conceito de "atingido por barragem". Além disso, as empreiteiras consideram apenas o patrimônio atingido para calcular indenizações, sem considerar outros aspectos.
"Hoje, como cada empresa reconhece os atingidos conforme sua intenção, mais de 70% das pessoas são excluídas do processo indenizatório", critica Andrioli. "O cadastro identifica as populações antes mesmo de as licenças ambientais serem produzidas, por isso é um grande passo para o reconhecimento de pessoas atingidas", completa.
Ele lembra que deve haver todo um processo de regulamentação do decreto, o que deve passar pelo Congresso Nacional ou por decisões de outros ministérios. O teor completo da medida só será conhecido pelo movimento nesta terça. "Sabemos, no entanto, que, da mesma forma como aconteceram em outras oportunidades, é a nossa luta que vai garantir a implementação e o avanço desta política", avalia Andrioli.
O passo seguinte, na visão do membro da coordenação do movimento, é garantir as indenizações e o reassentamento das famílias. "Precisamos garantir que isso seja feito para as pessoas melhorarem de vida e não piorarem, como tem acontecido", critica. Em barragens já licitadas, como a de Belo Monte, a expectativa dos ativistas é que o decreto sirva como balizador, embora não possa retroceder no processo de concessão de licenças ambientais.
O MAB pleiteia a participação na formulação da política energética e manifestou-se de forma crítica à construção de usinas hidrelétricas de Belo Monte e Jiraú. Apesar disso, a organização mantém, sem seu site, um manifesto assinado por diversos movimentos sociais em apoio a Dilma Rousseff (PT), candidata governista à Presidência da República. As origens do movimento relacionam-se à construção de usinas na década de 1970, mas a articulação do movimento data da década de 1990.
Decreto
O decreto assinado por Lula nesta terça prevê que o Comitê Interministerial de Cadastramento Socioeconômico seja composto pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pelos ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente e da Pesca e Aquicultura. A partir de janeiro de 2011, os empreendimentos licitados terão o recenseamento obrigatório das pessoas atingidas.
A partir de então, caberá à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a inclusão de cláusula específica sobre responsabilidades da empresa que vencer o leilão de licitação ou de concessão de usinas hidrelétricas.
(Por Anselmo Massad, Rede Brasil Atual, 25/10/2010)