Imagine um Brasil que cresça movido a energias que provocam o menor impacto ambiental possível e promovem o desenvolvimento de tecnologia e empregos verdes. Agora, imagine que, por conta disso, o mundo ficaria um pouco mais distante do risco das mudanças climáticas. Não precisa imaginar. Todo esse cenário é passível de virar realidade nas próximas décadas. Mas para isso é preciso que um primeiro passo seja dado imediatamente.
Esse passo precisa ser dado pelo próximo presidente, a ser escolhido pelos eleitores no dia 31 de outubro. Ambos os candidatos, Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB), sabem muito bem que não custa muito iniciar essa caminhada. O que os impede é um certo receio de abraçar o novo, de deixar de lado modelos de desenvolvimento defasados, de longa data, e investir em fontes limpas e renováveis de energia – sobretudo no Sol, nos ventos e na biomassa, coisa que por sinal o Brasil tem de sobra.
Quando Dilma e Serra se recusaram a assinar nosso pedido para que se comprometessem com a aprovação da Lei de Renováveis, fundamental para dirigir investimentos para novas fontes limpas de geração, admitiram que qualquer dos dois que assuma a Presidência o fará com os olhos voltados para o passado. O modelo energético que ambos têm em mente inclui grandes hidrelétricas na Amazônia – que carregam um pacote de impactos socioambientais de mesmo vulto – térmicas baseadas em combustíveis fósseis e a geração nuclear.
Potencial de sobra
Atualmente, a matriz nacional é 80% limpa, baseada sobretudo na geração hidrelétrica. O índice frequentemente é usado por representantes brasileiros no exterior para exemplificar um Brasil preocupado com o ambiente. Mas ele era bem maior há cerca de uma década, 92%. Nos últimos anos, a participação de térmicas a óleo tem sujado a matriz e a imagem do país, e encarecido a energia para os brasileiros. Entre 1994 e 2007, a emissão de gás carbônico na geração de energia elétrica cresceu 30% acima da oferta de luz, segundo dados do Ministério de Meio Ambiente.
Mas é absolutamente possível sonhar com uma matriz energética 100% limpa no fim desse século. O Greenpeace tem estudos que comprovam que até 2050, é absolutamente factível construir uma matriz energética 92% renovável, com uma gama maior de fontes como eólica, biomassa, solar e pequenas centrais hidroelétricas. Isso dadas as perspectivas mais otimistas de crescimento do país, com três vezes mais consumo e geração de energia, cortes de emissões de gases de efeito estufa e economia de bilhões de reais.
Potencial, o país tem – e como. Poucas nações podem se gabar de serem tão ricos em recursos renováveis. Elas variam em termos de desenvolvimento técnico e competitividade econômica, mas há um leque de opções cada vez mais atrativas que, se exploradas dentro de critérios sustentáveis e salvaguardas socioambientais, geram energia com baixo impacto ambiental e produção de gases de efeito estufa.
Algumas dessas tecnologias já são competitivas e podem se tornar ainda mais com investimentos em pesquisa e desenvolvimento e ganhos de produção em escala. Falta, portanto, vontade política de direcionar recursos e esforços para esse campo.
É preciso repassar subsídios hoje destinados a fontes convencionais e combustíveis fósseis poluentes – que se esgotarão no futuro – para as renováveis, além de fornecer um arcabouço legal para o investimento nessa área. O projeto de lei 630/2003, há seis anos em trâmite no Congresso, prevê a criação de um fundo para fomentar o desenvolvimento das energias alternativas, entre outros incentivos no uso dessas fontes.
Contudo, ele está na fila de votação do plenário da Câmara dos Deputados há quase um ano, por pressão do DEM, partido do vice de Serra, Índio da Costa, e do lobby do carvão. O vice de Dilma, por sua vez, Michel Temer (PMDB), recebeu em abril como presidente da Câmara um manifesto de 44 entidades, entre elas o Greenpeace, pedindo a votação do PL.
Desconhecimento do assunto, portanto, não justifica a atitude dos presidenciáveis. Aliás, nada justifica. Investir em uma matriz renovável diversificada, inclusive com medidas para aumentar a eficiência, ajudaria o Brasil a reduzir suas emissões de gases-estufa e colocaria o país na vanguarda, com um modelo energético verdadeiramente limpo.
(Greenpeace Brasil, 25/10/2010)