Seja no Paraguai ou no Brasil, os censos agropecuários têm confirmado a relação entre a expansão da soja e a concentração fundiária. De acordo com o sociólogo paraguaio Marcos Castilho, que realizou pesquisa sobre os impactos da sojicultura em seu país com apoio do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e da Base Investigaciones Sociales, os dados do censo de 2008 (último disponível) apontam que 703 sojicultores possuem propriedades com mais de mil hectares. Somadas, essas fazendas atingem 1,1 milhão de hectares, o que representa 48% do cultivo de soja do Paraguai e 35% de toda área cultivada do país.
Para o pesquisador paraguaio, a cultura da soja pode ser interpretada como um processo de acumulação de capital que cobra os custos dos camponeses, dos indígenas, da natureza e dos direitos dos trabalhadores. "São poucos os benefícios desse modelo para o país. Os impostos são baixos. No negócio da soja, o país entra com a terra e um pouco de força de trabalho. E só. Em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) paraguaio cresceu 6%, dos quais 4% tiveram origem nas exportações do agronegócio", afirma o sociólogo. Na visão dele, "é uma riqueza que não é dividida com o povo".
Ao analisar os dados do censo, Marcos detalhou como a soja se tornou protagonista no processo de concentração fundiária do país. Entre 1991 e 2008, o número de produtores do grão aumentou apenas 3,8% e atingiu 27,7 mil. Enquanto isso, a área cultivada de soja avançou 345%, para 2,4 milhões de hectares, sendo 48% distribuídos entre propriedades maiores do que 1 mil hectares e 41% naquelas entre cem e 1 mil hectares.
Outro sinal da concentração fundiária foi a queda no número de propriedades rurais paraguaias. Entre 1998 e 2008, a quantidade caiu 5,7% e está em 289,6 mil unidades. O maior recuo ocorreu entre as pequenas propriedades, sobretudo as de 20 a 50 hectares: passaram a existir apenas 22,8 mil delas em 2008, 27,5% a menos do que no início da década de 1990 (1991). Já as grandes propriedades, acima de 500 hectares, registraram aumento do número de unidades: passaram a ser 7.464, alta de 56,9%.
A expansão do domínio do território paraguaio pela atividade agropecuária também é revelada pelos censos. Em 1991, as plantações ocupavam 59% do país e, em 2008, chegaram a 76% do total de terras nacionais. As pastagens ainda ocupam a maior parte dessa área, 57%, enquanto os cultivos atingem 10%, dos quais 73% são áreas de soja.
No caso do Brasil, os dados do Censo Agropecuário de 2006 (último divulgado) mostram uma das estruturas fundiárias mais desiguais do mundo. Pequenos lotes com menos de 10 hectares ocupam 2,7% da soma de propriedades rurais e grandes fazendas com mais de mil hectares concentravam 43% do total. A soja foi a cultura que mais cresceu na última década, registrando um aumento de 88% na produção e 69% na área colhida. Isso representa uma expansão de 6,4 milhões de hectares, em grande parte no Centro-Oeste brasileiro, região brasileira que faz fronteira com o Paraguai.
O grau de concentração de terras no país está praticamente inalterado desde 1985, ano que marca o início da redemocratização brasileira, apesar dos bilhões que têm sido investidos no programa nacional de reforma agrária. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, o índice de Gini - indicador da desigualdade no campo - registra 0,854 pontos, patamar próximo aos dados verificados nas duas pesquisas anteriores: 0,856 (1996) e 0,857 (1985). Quanto mais perto essa medida está do número 1, maior é a concentração na estrutura fundiária. O Mato Grosso, Estado com maior produção de soja do país, possui índice de desigualdade de 0,865, o segundo maior do país.
(Repórter Brasil, 25/10/2010)