Na quarta-feira, dia 21 de outubro, depois de se recusar a assinar um pedido do Greenpeace de comprometimento com o desmatamento zero, a candidata à Presidência pelo PT, Dilma Rousseff, chamou a proposta de demagógica. No dia seguinte, José Serra, do PSDB, imitou sua adversária e negou-se a assinar o pedido do Greenpeace. Afirmou que precisaria analisar o documento, que não tem mais do que quatro linhas.
Dilma, depois de olhar o papel e não assiná-lo, disse que está empenhada em reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% (não mencionou os outros biomas) e reiterou que não assina “qualquer compromisso que botam na minha frente”. Achou, aliás, a atitude das ativistas do Greenpeace desrespeitosa. Não houve qualquer intenção de desrespeito. Apenas a defesa de um ponto de vista – como a própria candidata reconheceu ao pedir aos militantes do seu partido que deixassem as ativistas se manifestarem.
Exigir o compromisso do país com o desmatamento zero também não tem nada de demagógico e não é uma coisa qualquer. Trata-se de uma visão que tem todas as condições de virar realidade. Ela transformaria o Brasil de uma vez por todas num país do século 21, capaz de servir de exemplo para outras nações em todo o mundo. A política de desmatamento zero protegeria definitivamente o muito que ainda temos de biodiversidade e recursos naturais.
Também contribuiria de maneira fundamental para reduzir as emissões brasileiras de gases que causam o aquecimento global. De quebra, geraria renda e emprego de qualidade nas atividades de conservação, vigilância e uso sustentável dos produtos florestais. O próprio governo, aliás, conhece o lado ruim da destruição das florestas (basta ler seu próprio plano de combate ao desmatamento, o PPCDAM).
Salvar floresta garante economia
A recusa de Dilma e Serra em assinar o compromisso contraria ainda o entendimento de importantes setores da economia nacional, como a indústria da soja e os maiores frigoríficos do país, que já incorporaram o esforço de acabar com o desmatamento em suas cadeias de produção. Afinal de contas, já existem áreas desmatadas suficientes no Brasil para que a produção agropecuária se expanda sem que seja necessário avançar sobre as florestas.
Os setores mais avançados do agronegócio sabem muito bem que o Brasil tem todas as condições de consolidar sua atual posição de potência agrícola – e conquistar cada vez mais mercados externos – sem precisar derrubar mais uma árvore. Para tanto, bastam respeito à lei e investimentos em produtividade.
O desmatamento zero busca assegurar a conservação das nossas florestas devido a sua crucial importância na manutenção do equilíbrio climático, da conservação da biodiversidade e da preservação do modo de vida de milhões de pessoas que dependem dela para sobreviver. Uma política de desmatamento zero não impede que árvores sejam cortadas e utilizadas. O que ela se propõe a acabar é com o corte raso e a degradação de grandes extensões de mata, um problema que acompanha o país desde o descobrimento e que ainda assola a Amazônia e o cerrado.
O objetivo de uma política de desmatamento zero é dar corpo a uma gestão cuidadosa da floresta que ainda existe, com o estabelecimento de todo o remanescente como reserva florestal nacional, com exceção dos que se encontram em propriedades particulares e em casos que envolvam populações tradicionais e indígenas. A meta de obter uma redução de 80% do desmatamento até 2020, com relação à média do corte registrado entre 1996 e 2005, prometida pelo presidente Lula e endossada pela sua candidata, é insuficiente.
Reduzir emissões
À luz da atual crise climática global, permitir a derrubada de 20% de mata em relação à média do período significa muito mais do que “ter sempre alguém cortando alguma coisa”. O presidente precisa botar seus assessores para fazer contas. Estima-se que em cada quilômetro quadrado da floresta amazônica, para ficarmos apenas em um exemplo, existam entre 45 mil e 55 mil árvores com mais de dez centímetros de diâmetro.
A lógica presidencial, que admite que o Brasil continue derrubando cerca de 3.900 km2 da Amazônia em 2020, significa que o país perderá, apenas naquele ano, entre 175 milhões e 215 milhões de árvores. Isto está longe de ser um pauzinho qualquer. A diferença entre a proposta do Greenpeace de zerar o desmatamento em 2015 e a de Lula e Dilma – Serra não deixa claro qual é a sua – de permitir 20% de desmatamento em 2020, equivale a aceitar que nesse intervalo de cinco anos o Brasil perderá entre 800 milhões e 1 bilhão de árvores na Amazônia.
Francamente, é um número inaceitável. Como por sinal parecia ser inaceitável para o próprio Lula no ano passado. Em junho de 2009, em Alta Floresta (MT), ele disse que “se houve um momento em que a gente podia desmatar, agora desmatar joga contra a gente e vai nos prejudicar no futuro. Hoje, em vez de dizer que não pode cortar árvore, nós temos de incentivar e pagar para as pessoas plantarem árvores", afirmou.
Além de ser a forma mais barata e rápida de combater as mudanças climáticas, zerar o desmatamento é fundamental para o desenvolvimento econômico do país no longo prazo. As chuvas produzidas pelas grandes massas florestais que ainda existem em nosso território e as matas que protegem as margens de rios em todo o país nos defendem de enchentes e são importantes para a geração de energia, a produção de alimentos e o abastecimento de água no Brasil.
Ter como meta resguardar o que ainda nos resta de matas é buscar um futuro melhor para as gerações de brasileiros que virão. O Greenpeace se coloca à disposição de Dilma, e de seu adversário, Serra, para esclarecer quaisquer dúvidas que ambos tenham sobre o conceito de desmatamento zero, a fim de construir um Brasil mais sustentável, justo e de fato inserido no esforço global contra as mudanças do clima.
E, apenas para ajudá-los na sua reflexão sobre esse futuro, não custa lembrar que o Brasil já perdeu mais de 700 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica nas últimas quatro décadas. Nessa área, entre 33 bilhões e 41 bilhões de árvores viraram fumaça, ajudando a transformar o Brasil no quarto maior emissor mundial de gases que provocam o aquecimento global.
(Greenpeace Brasil, 25/10/2010)