Depois de um início com clima otimista em torno de boas definições, os participantes da 10ª Conferência das Partes (COP 10) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), foram surpreendidos negativamente em relação à negociação sobre o protocolo de acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade (ABS).
O tema mais abordado nos discursos da mesa de abertura da conferência e apontado por alguns países, incluindo o Brasil, como a necessidade mais urgente de resolução em Nagoia, se apresenta também como o mais difícil em se alcançar consenso. (Para entender a importância do protocolo, clique aqui). Por Ligia Paes de Barros, de Nagoia, para o WWF Brasil.
O grupo de trabalho que discute o assunto na conferência está encontrando dificuldades para superar as diferenças de interesses entre os países e obter resoluções para fechar o documento que servirá de base para as negociações de alto nível – quando as decisões são de fato tomadas – na próxima semana. Ontem, as negociações se estenderam até as cinco horas da manhã do Japão.
De um lado do conflito estão países ricos em biodiversidade e países em desenvolvimento, como o Brasil, que defendem um protocolo amplo, justo e igualitário que garanta que os benefícios dos recursos genéticos sejam repartidos com os países de onde foram retirados. Do outro, estão os países desenvolvidos, usuários desses recursos genéticos para diversos fins, entre eles, a produção de medicamentos.
As discussões sobre o tema estão acontecendo privadamente, sem abertura para o acompanhamento de organizações não governamentais ou sociedade civil em geral. No entanto, os rumores são que os principais protagonistas do impasse nas negociações antes eram países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, mas a partir do momento em que eles começaram a facilitar o debate, a União Europeia despontou como o ‘vilão’.
“Estamos atrás de entender as razões por trás dos impasses”, afirmou Cláudio Maretti, superintendente de conservação do WWF-Brasil. “Será que agora que não existem outros opositores, o interesse econômico dos europeus está se sobrepondo ao interesse de uma boa resolução nessa COP? Será que os representantes da União Européia estão sem orientação dos países membros e da sede? Será que existe alguma estratégia de negociação por trás do debate que ainda não estamos sabendo? São os questionamentos de todos por aqui”, ressaltou Maretti.
Pelo que tudo indica, existem dois pontos principais contribuindo para o impasse. O primeiro deles seria a recusa da União Europeia em assumir a responsabilidade de verificar se as leis nacionais, tanto dos países fornecedores de biodiversidade como dos usuários dela, estarão sendo respeitadas nos usos que venham a ser feitos dos recursos genéticos da biodiversidade.
O segundo ponto seria relacionado aos chamados ‘derivados’ dos recursos genéticos, que são os elementos produzidos a partir destes recursos e que, geralmente, têm um valor econômico bem maior do que os próprios recursos, como, por exemplo, as patentes dos medicamentos. As ‘conversas de corredor’ indicam que a União Europeia não estaria aceitando a inclusão da palavra ‘derivados’ no texto do protocolo como uma estratégia para tentar abrir brechas na repartição de benefícios dos mesmos.
O fator crítico desse impasse é que os países em desenvolvimento já chegaram à COP anunciando que sem a aprovação de um bom protocolo de ABS, eles não estariam dispostos a aprovar outros itens da negociação, como o importante Plano Estratégico de redução da perda de biodiversidade para 2011-2020.
Isso significa que sem a aprovação do protocolo o cenário mais provável é um fracasso geral da COP 10 da CDB, uma vez que os temas negociados precisam de consenso dos 193 países membros da CDB para terem validade.
O WWF-Brasil e a Rede WWF estão acompanhando as negociações e esperam que até sexta-feira – data limite para a entrega do documento base de ABS para as negociações de alto nível – um acordo seja alcançado. “A convenção tem que ser implementada por inteiro, inclusive nesse aspecto de beneficiar os detentores mais diretos da biodiversidade. A aprovação desse protocolo está sendo adiada há 20 anos, e por isso é mais do que aceitável que esses países tenham uma postura mais dura para conseguir essa aprovação”, apontou a secretária-geral do WWF-Brasil, Denise Hamú.
A importância da COP 10 da CDB em Nagoia
As Conferências das Partes (leia-se países membros ) da CDB (Convenção especial da ONU para debater biodiversidade) acontecem bianualmente e têm como objetivo definir e debater ações para conservação da biodiversidade do planeta. A COP de Nagoia – que acontece em 2010, declarado pela ONU como Ano Internacional da Biodiversidade com o intuito de chamar a atenção do mundo para a importância do tema – é uma COP especial e extremamente importante. Nela serão definidas as ações de conservação da biodiversidade que países terão que implementar na próxima década. Resultados pouco ambiciosos nessa COP representam um grande risco para humanidade uma vez que a biodiversidade global está seriamente ameaçada e a Terra está próxima de atingir um ponto de colapso em que nunca mais poderá se recuperar dos impactos sofridos.
(EcoDebate, 22/10/2010)