Quase 80% de 1.2 milhões de hectares ocupados pela agricultura no Uruguai estão semeadas com soja e milho. Segundo a estatal Direção de Estatísticas Agropecuárias e a privada Câmara Uruguaia de Sementes, a totalidade da soja e pelo menos 80% do milho são transgênicos, isto é, são organismos geneticamente modificados (OGM).
Os transgênicos, introduzidos no final do século XX pela multinacional Monsanto e estendidos durante a presente década pela ação de grandes produtores e empresas agrícolas argentinas, estão diretamente associados ao uso abusivo de agrotóxicos de grave impacto contaminante da água, dos solos, das plantas e dos animais e com incidência sobre a saúde humana.
A ecologista María Isabel Cárcamo, da rede de Ação em Praguicidas e suas Alternativas para a América Latina (RAP-AL), recorda que a primeira semente transgênica que entrou no Uruguai, em 1998, foi de soja: "Aí começa o uso massivo dos agrotóxicos: glifosato, paraquat, endosulfan, todos altamente contaminantes e proibidos em muitos países".
Em 2003 chegou o milho geneticamente modificado em duas variedades forrageiras e uma doce, para consumo humano.
A regulamentação sobre a introdução de transgênicos está emarcada no Protocolo de Cartagena sobre Segurança da Biotecnologia -Tratado internacional que rege a transferência, manejo e uso de organismos vivos modificados geneticamente-, vigente no Uruguai desde 2003; porém, tudo o que se refere ao tema está imerso em um mar de irregularidades. As entidades oficiais encarregadas do cumprimento das normas ambientais atuam sobre esses dois produtos somente quanto ao seu uso forrageiro e nada dizem sobre o consumo humano do milho doce, que é vendido ao público desde 2004, apesar de não estar registrado no Instituto Nacional de Sementes.
Contaminação por polinização
Cárcamo alerta sobre as dificuldades que se apresentam com o manejo dos transgênicos e quando se trata de milho, devido ao tipo de polinização que essa espécie realiza. Um estudo da estatal Universidade da República revelou que "três em cada cinco casos com potencial risco de interpolinização -mistura de pólen de variedades diferentes- tiveram como resultado a presença de transgênicos na espécie não geneticamente modificada". Isso quer dizer que a proximidade aos cultivos OGM e não OGM provoca contaminação quando os tempos de floração coincidem.
Tanto para os investigadores quanto para os ambientalistas, essa realidade, misto de descontrole e da problemática apresentada pelo manejo dos transgênicos, torna necessária a abertura de um debate sobre a "coexistência regulada" entre vegetais OGM e não OGM, regulamentada em 2008.
Segundo a Rede de Amigos da Terra, a política de coexistência regulamenta não leva em consideração os eventuais impactos para a saúde humana, as ameaças ao meio ambiente, a relação dos transgênicos com a agricultura tradicional, natural e orgânica e os mecanismos de informação ao consumidor; daí que deve ser revisada.
Segundo a Rede, no Uruguai, tem que acontecer um debate sobre esse tema, "porque até agora as organizações da sociedade civil somente foram convidadas pelas autoridades para apresentar informação por escrito; porém, não para debater opiniões".
Proteger variedades crioulas
No oriente uruguaio, a Intendência de Trinta e Três -único Departamento do país que conta com uma Secretaria de Agroecologia e Soberania Alimentar- conserva uma grande variedade de sementes de milho crioulo que os produtores cuidam para que não sejam contaminadas com a semente GM.
Nesse Departamento, tradicionalmente arrozeiro, a Direção Nacional de Meio Ambiente assegura que não será introduzido o milho transgênico. Ao mesmo tempo, os próprios produtores de arroz tem se negado a semear as sementes GM, de tal forma que Trinta e Três está em condições de ser declarada zona livre de transgênicos.
À medida em que são conhecidos os riscos da dupla transgênicos-agroquímicos, o tema ganha a sociedade. Em Villa García, um povoado próximo a Montevidéu, a capital, os Vecinos por uma Tierra Libre de Trangênicos conseguiram, em novembro de 2009, deter a implantação das sementes GM. Estão preocupados com a contaminação; porém, também com o tema trabalhista, "porque os transgênicos favorecem uma forma de agronegócio que destrói a produção familiar".
Efetivamente, a produção familiar não transgênica torna-se antieconômica ante a produção GM realizada em grandes extensões de terra e altamente mecanizada, o que acaba com o respiro econômico do pequeno agricultor e no assédio dos grandes para que vendam suas parcelas, o que, finalmente, faz com que essas famílias vendam suas pequenas propriedades e emigrem para as cidades. Em Palmitas, no Departamento surenho de Canelones, os vizinhos têm demandado às autoridades que seja emitida uma norma que proíba o uso das sementes GM.
RAP-AL insiste em proteger as sementes crioulas seguindo o exemplo de Trinta e Três; porém, recorda que "apesar de que está em jogo é a existência do milho crioulo, também existem novas variedades de milhos transgênicos que estão a espera de aprovação por parte das autoridades, e o mesmo acontece com outras não demandadas pelos produtores, como as sementes de arroz".
O agrônomo Fernando Queirós Armand-Ugon cita um estudo realizado em 2009 pelo Comitê de Investigação e Informação Independente sobre a Engenharia Genética da Universidade de Caen, França, para recordar que "os alimentos GM não são saudáveis; cada vez que é consumida qualquer uma das variedades de milhos transgênicos, os rins e o fígado, os principais órgãos que reagem ante uma intoxicação química, têm problemas".
O especialista destacou outro aspecto negativo da política oficial em matéria, ao assinalar que em fevereiro deste ano, foram autorizados ensaios com cinco novas variedades de milho transgênico. Queirós explicou que essas variedades, com modificações que lhes outorgam resistência a insetos e a herbicidas, estarão disponíveis para seu cultivo na próxima campanha agrícola (2011-12)
* Servicio Informativo sobre América Latina y el Caribe producido por Comunicaciones Aliadas
(Adital, 21/10/2010)