Desde 2006 o Lixão da Camélia, em Tapes-RS, opera sem licença ambiental. Porém, o problema é ainda mais antigo: com 27 anos de existência, o depósito de lixo já era denunciado por ambientalistas em 1997, há 13 anos. Em 2000, o primeiro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado pelo Prefeito de Tapes, registrou o compromisso de recuperar gradativamente a área e fechar o lixão, que estava comprometendo uma das raras áreas existentes hoje com incidência da espécie Butia capitata (o butiá). Tal termo, no entanto, não trouxe solução efetiva para a questão.
Quatros anos mais tarde (em 2004), o Movimento Os Verdes de Tapes ingressou na comarca do município com uma ação popular contra a Prefeitura, por estar negligenciando o caso. A ação também não conseguiu alterar a situação. Firmou-se outro TAC, instituído em outubro de 2005 e com validade até julho de 2006, que visava à recuperação da área. Este TAC firmava um prazo para a Prefeitura desativar o lixão, porém poderia ser prorrogado, desde que o município comprovasse estar agindo em prol de outra situação.
Trâmites legais adiam o fechamento
Mesmo após o vencimento de todos os prazos legais, a Prefeitura de Tapes consegue manter o funcionamento irregular do lixão a partir de um acordo com a Comissão Municipal de Meio Ambiente (Compema) e Ministério Público. O TAC, assinado devido à instauração da ação popular, permite que o Lixão da Camélia continue funcionando já que a Prefeitura mostra empenho na solução do problema (fez uma central de triagem e diz querer construir um aterro sanitário regional). A ideia de que melhor seria manter o lixão como está do que deixar o lixo nas ruas da cidade, por não haver recursos para envio dos lixos de Tapes para o aterro licenciado (em Minas do Leão, a cerca de 200 quilômetros), também é apontada por Júlio Wandam, coordenador local do Movimento Os Verdes de Tapes, como um dos motivos que embasa a continuidade da irregularidade até hoje.
De acordo com Wandam, a decisão da ação popular de 2004 já determinava o fechamento do lixão. E depois disso surgiram mais documentos que solicitavam o fechamento: três decisões da justiça (2005, 2006, 2008), dois laudos da Fepam (que acumularam cinco desde sua abertura: 1998, 2000, 2003, 2006, 2007), três laudos da Divisão de Assessoramento Técnico do MP (2001, 2005, 2008), além do próprio MP, que esteve no local seis vezes e ratificou a necessidade de fechamento (em 2000, 2004, 2005, 2006, 2008, 2010).
A ampliação da poluição da região, ano após ano, é agravada pela falta de licença ambiental há 50 meses, que deveria ser concedida pela Fepam. Técnicos da própria Divisão de Saneamento Ambiental deste órgão já constataram a necessidade de interdição imediata por total falta de capacidade técnica e operacional da Prefeitura de Tapes. Entretanto, os laudos foram desconsiderados pela administração municipal, que acredita poder manter o lixão enquanto faz melhorias e busca soluções (o TAC dá respaldo para essa interpretação).
No dia 21 do último mês, o Lixão da Camélia recebeu uma rápida visita da equipe da Fepam, que resultou em nova autuação e possibilidade de fechamento. A lei dá a Prefeitura de Tapes 30 dias para realizar a defesa. Os ambientalistas que acompanham o caso dizem haver omissão da função de fiscalização da Fepam e negligência da Prefeitura Municipal por manter em operação um local sem as mínimas condições de receber os rejeitos. No entanto, em termos legais, até a última decisão judicial não há nada pendente, nenhuma infração cometida.
Na visão do MP, conforme a Promotora de Tapes, Carla Soares, já existe uma ação popular que tem como objeto o lixão, não cabendo instaurar outra ação que pode, inclusive, atrapalhar a que está em fase mais adiantada. “Para executar o TAC e interditar o local precisamos dos resultados da última perícia, realizada no início do segundo semestre de 2010”, informa a Promotora.
‘Melhorias’ garantem o funcionamento do lixão
Depois de denúncias ao órgão ambiental do Estado e ao Ministério Público, a administração municipal realizou algumas recuperações na área, mesmo não existindo licenças de operação. Ela estava calcada na redação do TAC. Contudo, as melhorias realizadas são paliativas. O tipo de material para cobertura que foi utilizado não é o saibro, previsto no projeto técnico de 2004, quando Prefeitura concluiu a obra. São utilizados restos de vegetação, entulhos de obras, pneus e inservíveis para aterrar o lixo doméstico e cobri-lo. Neste momento, segundo Wandam, o lixo está sendo exposto às intempéries e à presença de animais silvestres, colocando em risco o ambiente natural.
A partir de 2005, a gestão municipal afirma ter realizado uma série de avanços em relação à destinação do lixo, que inclui uma central de triagem e o projeto de instalação de uma central de reciclagem. O prefeito de Tapes (no poder desde 2004), Sylvio Tejada Xavier, diz que hoje apenas 35% dos resíduos vão para o aterro controlado e que no ano passado foi firmado um acordo para a estruturação de um aterro sanitário regional.
O projeto mencionado é o mesmo que tinha como sede original o município de Sentinela do Sul, mas que foi retirado pelo seu Prefeito em razão da pressão popular. O novo lugar para depósito dos resíduos sólidos será construído pela empresa Terra Ambiental, de Vitória-ES, e trará benefícios para municípios da região. “O terreno já foi comprado e estamos aguardando a obtenção da licença prévia da Fepam”, declara Sylvio Xavier.
Perguntado sobre esta licença prévia, o Chefe da Divisão de Saneamento Ambiental da Fepam, Rafael Volquind, disse não estar nas mãos do órgão. “Há um processo para a construção de um aterro sanitário na região, que tem Tapes como segunda opção, mas há pendências que não foram solucionadas”, relata Rafael. Isso impede que os trabalhos sejam iniciados.
Licenciamento
A licença ambiental consiste em um processo de avaliação dos impactos causados por empreendimentos, que estabelece certas condições para que as suas operações causem o menor dano possível ao meio ambiente. Ao mesmo tempo, medidas preventivas e de controle compatíveis com o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente são estabelecidas. As denúncias de falta de licença ambiental no Lixão da Camélia começaram a ser feitas logo após o vencimento do último documento legal que a Prefeitura de Tapes obteve, que tinha validade até 27 de julho de 2006. “Após esta data, inexiste processo de solicitação para a renovação da licença ambiental, e até hoje, quase quatro anos depois, a Prefeitura opera sem licença da Fepam”, fala Júlio Wandam.
A promotora de Tapes, Carla Soares, argumenta que a o MP já pediu, na ação popular, a interdição do local, baseado em um documento (perícia) que foi indeferido pela Justiça. “Nova ação com o mesmo documento não resolveria a situação”, avalia. Há cerca de três meses, nova perícia foi realizada no local, porém o resultado ainda não está nas mãos da Promotora.
Lixão x Aterro controlado
A Prefeitura Municipal de Tapes alega que o Lixão da Camélia é um aterro controlado, e não um lixão. A mudança foi realizada em função de não haver legislação específica na época da implantação. Hoje, lixões são proibidos. A alteração, contudo, não impede que o meio ambiente seja prejudicado e que o local seja passível de interdição. Caracteriza-se como lixão uma área de disposição final de resíduossólidos sem nenhuma preparação anterior do solo. Justamente por não ter nenhum tipo de proteção, esses locais se tornam vulneráveis à poluição causada pela decomposição do lixo, tanto no solo, quanto nos lençóis freáticos e no ar. Além dos impactos ambientais causados pelos lixões, o acúmulo de lixo atrai animais transmissores de doenças, como moscas e ratos.
Os aterros controlados, por sua vez, são lixões ‘melhorados’, geralmente constituídos de antigas células que foram remediadas e passaram a reduzir os impactos ambientais e a gerenciar o recebimento de novos resíduos. A cobertura de argila e grama realiza a captação dos gases e do chorume. O biogás é capturado e queimado e parte do chorume é recolhida para a superfície. Além disso, como são cobertos com terra ou saibro diariamente, o lixo não fica exposto, não atraindo animais.
É importante destacar que o aterro controlado é um tipo de lixão reformado, tornando o local de destinação de resíduos um empreendimento adequado à legislação, porém, inadequado do ponto de vista ambiental, pois continua contaminando o solo natural. O objetivo do aterro controlado não é prevenir a poluição e sim, minimizar os impactos ao meio ambiente. É uma forma de destinação de lixo inferior ao aterro sanitário e corre risco de interdição em situações graves.
Visita técnica ambientais
No dia 9 de outubro, Almiro Brzezinski, Cristian Schenk, Vicente Grimberg e Nilmar Trevisan, estudantes do curso de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estiveram no Lixão da Camélia para a realização de visita técnica para um Seminário de Geomorfologia. Segundo o que viram e avaliaram, o local não conta com as mínimas condições de manejo dos resíduos e disposição final que a legislação preconiza, representando um grande risco e passivo ambientais para com as comunidades da região, flora e fauna. “O mais agravante é que a área situa-se próxima aos Butiazeiros de Tapes, uma região de conservação e de importância imensurável para o ecossistema”, relataram os acadêmicos.
Na visita foi observado que as caixas de inspeção do chorume estão transbordando e, através de ‘drenos’ (valetas abertas no pátio no entorno das caixas), este percolado é guiado em direção ao campo e desemboca em um açude próximo ao local. O açude contaminado é a fonte de água para os animais (principalmente gado), que depois são consumidos pelas famílias da região. Além disso, diversas casas que utilizam poço para coleta de água de consumo no perímetro próximo ao lixão estão à mercê das águas subterrâneas infectadas pelo chorume.
(Por Eloisa Beling Loose, EcoAgência, 20/10/2010)