O Brasil não irá aceitar novas metas globais de proteção da biodiversidade se elas não vierem acompanhadas de um novo tratado da ONU que garanta aos países em desenvolvimento uma participação mais justa nos dividendos dos seus recursos genéticos, disse um diplomata brasileiro nesta terça-feira (19).
Delegados de quase 200 países estão reunidos para um encontro de duas semanas em Nagoia, no Japão, para discutir a rápida degradação da biodiversidade em consequência da destruição de florestas, rios e recifes de coral, o que significa a perda de um importante patrimônio natural e econômico.
A mesma reunião também tenta finalizar anos de negociações a respeito de novas regras a respeito de como e quando empresas (especialmente laboratórios farmacêuticos) e pesquisadores podem usar genes de plantas e animais, oriundos principalmente de nações em desenvolvimento.
O documento, conhecido pela sigla ABS (de "acesso e compartilhamento de benefícios" na sigla em inglês), pode destravar bilhões de dólares para os países em desenvolvimento, mas há divisões entre nações ricas e pobres a respeito de questões como a abrangência do acordo e os termos do acesso aos recursos genéticos.
O Brasil, que por causa da Amazônia abriga uma das maiores biodiversidades do planeta, diz que as negociações em torno de um "plano estratégico" para a preservação ambiental dependem da aprovação do protocolo ABS e de verbas dos países desenvolvidos para a proteção dos ecossistemas.
"O mais importante é concluir e adotar o protocolo ABS", disse à Reuters Paulino Franco de Carvalho, chefe da divisão de meio ambiente do Itamaraty e participante da conferência, que vai de 18 a 29 de outubro.
"Se adotarmos um protocolo ABS, podemos ter um plano estratégico na compreensão de que também teremos recursos financeiros. Esses aspectos estão interrelacionados."
A meta da conferência é definir novas metas de preservação da biodiversidade para 2020, depois de as metas para 2010 serem quase totalmente descumpridas. Os países em desenvolvimento pleiteiam mais verbas das nações ricas para a preservação. Grande parte da biodiversidade restante no planeta se concentra nas nações em desenvolvimento, como Brasil, Indonésia e as da África Central.
Carvalho disse que um acordo em torno do ABS será difícil, pois os delegados continuam divididos a respeito de várias questões, embora haja espaço para algumas concessões.
O Brasil, por exemplo, defende que o protocolo abranja derivados dos recursos genéticos, enquanto as nações desenvolvidas e alguns laboratórios se opõem, temendo que isso amplie demais a abrangência do acordo.
Outra polêmica diz respeito à possibilidade de que escritórios de patentes sejam usados pelas autoridades para monitorar a origem dos recursos genéticos empregados. É que genes de plantas e animais podem dar origem a produtos muito lucrativos, como novos medicamentos ou variedades agrícolas mais produtivas.
Protocolo Efetivo
"Se não chegarmos a um acordo para termos um protocolo significativo, um protocolo eficaz, acho que seria melhor tentar vermos se podemos encontrar um entendimento entre todas as partes", disse o brasileiro. "Simplesmente ter um protocolo só por ter não é a melhor opção."
Um resultado possível do encontro de Nagoya seria dar aos países mais um ano para prosseguir com as negociações, afirmou o diplomata.
Mas os delegados, que na semana que vem ganharão a companhia dos ministros de Meio Ambiente de seus países, ainda não desistiram de um acordo, no mínimo porque desejam transmitir uma mensagem positiva para a conferência climática de novembro da ONU no México.
Há poucas esperanças de que a reunião de Cancún resulte em um novo tratado climático global de cumprimento obrigatório, especialmente devido a divergências entre países ricos e pobres a respeito de metas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Mas a ONU ainda espera que os países cheguem a um consenso a respeito de pontos menos polêmicos, como a proteção de florestas tropicais e a criação de um fundo climático.
"Os ministros vão nos pressionar muito para chegarmos a um acordo a respeito do ABS e do plano estratégico, para chegarmos a Cancún com perspectivas", disse Carvalho.
"Se chegarmos a Cancún sem termos alcançado nenhum acordo em Nagoia, será um mau sinal sobre o que irá acontecer em Cancún."
(Reuters, Globo Amazônia, 19/10/2010)