Aracati. A paisagem do litoral cearense está mudando, assim como a ocupação espacial de vários povos do mar. Dividindo espaço com carnaubais e remodelando o terreno antes ocupado por gigantes montanhas de areias, as dunas, geradores de energia por meio da força dos ventos têm se espalhado em diversas praias dos litorais leste e oeste. É uma ocupação delicada, na maioria dos casos repentina para as comunidades, que mesmo reconhecendo o caráter de "energia limpa", questionam as formas de instalação pelas empresas.
Em minucioso levantamento de documentos, a reportagem constatou que todas as usinas eólicas implantadas nos últimos três anos, no Ceará, estão em Área de Preservação Permanente (APP). As obras, embora licenciadas, não foram antecedidas de um completo Estudo de Impacto Ambiental (EIA), o que explica a maior parte dos conflitos judiciais, no Ceará, envolvendo comunidades e empresas eólicas.
"Nós não somos contra a energia eólica, pelo contrário, a gente entende que é uma energia limpa, o problema é que ´tá´ invadindo a nossa comunidade e comprometendo o meio ambiente", afirma João Luis Joventino Nascimento, o "João do Cumbe", comunidade que existe há mais de um século e inicia sua história de ocupação por negros remanescentes de escravos.
A dinâmica judicial em torno do tema centra-se em um principal fator: a necessidade, ou não, de Estudos de Impacto Ambiental (EIA), que gera um Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima). Levantamentos ambientais tiveram em todos os projetos de instalação de usinas eólicas, mas amparadas pela elaboração de um Relatório Ambiental Simplificado (RAS), medida regulamentada em 2001 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Por meio de um RAS, as empresas conseguiram licença ambiental expedida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). As comunidades, ambientalistas e estudiosos defendem que somente um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pode dimensionar toda a interferência causada pelas turbinas eólicas nas áreas de dunas. Com a recomendação de "celeridade", uma empresa eólica obteve licença da Semace em 2002, apenas com o Relatório Ambiental Simplificado (RAS), mas só iniciou a obra em 2007, intervalo de tempo que seria suficiente para realizar o EIA.
De acordo com o geógrafo Jeovah Meireles, da Universidade Federal do Ceará, foram constatados vários impactos negativos gerados por usinas: fragmentação do ecossistema manguezal, alteração no fluxo das marés, nos componentes geoambientais (água, solo, morfologia, topografia e paisagem), interferência na dinâmica das aves migratórias e do peixe-boi marinho. Na construção das usinas eólicas no Litoral Leste, a terraplanagem das dunas deu-se, dentre outras formas, pelo aterramento de lagos de água doce entre as dunas.
Arqueologia respeitada
A região do Cumbe, em Aracati, é a maior em depósito de sítios arqueológicos do Ceará. A empresa responsável pela instalação da usina no local, Bons Ventos Eólica, assegurou que houve levantamento e contratação de arqueólogo para recolhimento de possíveis fósseis e os objetos arqueológicos ficarão à disposição da sociedade.
"A produção de energia eólica é necessária, desde que preserve as funções e serviços desses complexos sistemas naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global", enfatiza Jeovah Meireles.
O Ceará tem um dos maiores potenciais para energia eólica no País. Estima-se que a energia eólica poderá suprir até 10% das necessidades mundiais até 2020, reduzindo a emissão global de dióxico de carbono em mais de 10 bilhões de metros cúbicos. Em Aracati, a Bons Ventos Eólica entrou em operação no início deste ano, após superar diversas questões judiciais movidas pelo Ministério Público, tendo a Justiça assegurado a continuidade do empreendimento.
Recuperação de casas
Usando mão de obra das comunidades de Cumbe e Canavieira, em Aracati, a Bons Ventos Eólica gerou 179 empregos diretos durante sua fase de implantação. Sobre os transtornos causados nas comunidades durante a instalação dos equipamentos, a empresa anunciou a conclusão da reforma de reparo nas paredes das casas que sofreram fissuras por conta do tráfego intenso de caminhões. Ainda foi realizada reforma no campo de futebol da comunidade do Cumbe e a construção da sala de computação para a inclusão digital dos jovens. Outra iniciativa é a construção de um largo para a igreja do Cumbe, local que poderá também ser utilizado como área de convivência para a comunidade. (MJ)
(Diário do Nordeste, 18/10/2010)