Os questionamentos sobre a credibilidade do Painel da ONU para mudanças climáticas, o IPCC, são fruto de lobby das indústrias de petróleo, diz o professor de física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, Paulo Artaxo. "Elas não querem ver nenhum tipo de política de controle de emissão de combustíveis fósseis", argumenta.
- É uma das maneiras de você combater o impacto destas medidas. Você paga bilhões e bilhões de dólares para fazer campanhas na imprensa, contrata cientistas, para tentar dar menos credibilidade para a pesquisa em mudanças climáticas globais.
Nesta quinta-feira (14), o IPCC anunciou que vai acatar sugestões de um grupo de acadêmicos de vários países para reformar o Painel. Num relatório de agosto, o Conselho Inter-Academias (IAC, na sigla em inglês), pediu "reformas fundamentais no processo gerencial do IPCC". Na imprensa, especulou-se que o presidente do Painel, Rajendra Pachauri, poderia renunciar ao cargo.
Artaxo recebe bem as mudanças, mas acredita que elas não devam ser profundas. Pachauri permanece no cargo, segundo o anúncio desta quinta. A princípio, será reforçada a revisão e checagem das informações por pesquisadores independentes.
Os ataques ao IPCC começaram depois de detectado um erro no relatório de 2007, que levou à previsão de que o aquecimento global poderia extinguir as geleiras do Himalaia até 2035. Os questionamentos levaram à intervenção do Conselho Inter-Academias, que pede checagem mais ativa e mais transparência nos documentos usados como base para os relatórios. Antes disso, o IPCC viveu um de seus momentos mais importantes, ao dividir o Prêmio Nobel da Paz de 2007 com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore.
Leia a entrevista de Artaxo na íntegra.
Terra Magazine - Como o senhor avalia as mudanças aprovadas para o IPCC? A essência da reforma é reforçar a checagem das informações, não?
Paulo Artaxo - Eu acho importantíssimo, porque, essencialmente, você vai aprimorar o processo de revisão . Você aprimora esse processo independente e, com isso, dá ainda mais credibilidade para o trabalho do IPCC. Mais independência e mais credibilidade. Então, isso é positivo. O IPCC vai ter sua primeira reunião do grupo de trabalho um no dia 10 de novembro na China. Eu vou participar desta reunião. E aí essa proposta vai ser discutida do ponto de vista da sua implementação.
Não haveria nenhuma mudança mais profunda como chegou a ser cogitado há algum tempo?
Não. Até onde eu sei, não. Nenhuma mudança mais profunda. É aprimorar o processo de revisão. Outro processo importante é um cuidado maior no uso de literatura científica não publicada em revistas referenciadas. Esse é o segundo aspecto importante do Conselho Inter-Academias e que eu também acho muito positivo. Por exemplo, no primeiro relatório dos grupos de trabalho dois e três foi utilizado muito relatórios como o do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e coisas desse tipo. Embora sejam relatórios muito bem feitos, não passaram pelo crivo de revisão. Desta vez, cada artigo que for utilizado e que não tenha passado por revisão tem que ser explicitamente justificado o porquê disso. E esse texto terá que ser colocado a disposição do público.
O IPCC teve seu grande momento com o Prêmio Nobel, mas depois disso passou a ser bastante questionado por alguns erros. O senhor acha que o Painel perdeu credibilidade?
De jeito nenhum. Esse "questionamento" - aí entre aspas - faz parte de um movimento, em particular, das indústrias de petróleo. Elas não querem ver nenhum tipo de política de controle de emissão de combustíveis fósseis. Então, é uma das maneiras de você combater o impacto destas medidas. Uma das maneiras é fazer pressão no governo americano, por exemplo, para que não aceite nenhum limite nas suas emissões, para que tenha uma posição realmente inflexível etc e tal. E a outra é o seguinte: você paga bilhões e bilhões de dólares para fazer campanhas na imprensa, contrata cientistas, para tentar dar menos credibilidade para a pesquisa em mudanças climáticas globais. Mas se você notar, você vai perceber rapidamente que essa questão, hoje, já é muito menos importante que há um ou dois anos. Realmente não colou tanto quanto se imaginava. Hoje a discussão realmente não é essa. Hoje é "o que a gente vai fazer para combater as mudanças climáticas", "quais são as alternativas". E são questões extremamente complexas e decisões difíceis de serem tomadas.
Então não se trata de uma questão científica, mas sim de lobby?
Exato. Obviamente, tem setores que são contrariados - especialmente a indústria de produção de energia por carvão petróleo nos Estados Unidos. Essas indústrias são contrárias a qualquer limite nas emissões. Agora, você tem todo o restante da estrutura social e política do mundo que é, sim, favorável à implantação de limites para as emissões de combustíveis fósseis. Porque se você não fizer isso, hoje isso já é bem claro do ponto de vista científico, nós podemos levar o planeta a um aquecimento de três, quatro ou cinco graus centígrados, o que vai ter implicações socioeconômicas muito importantes.
O IPCC teve importância inquestionável num momento em que ainda não se tinha como certa a existência do aquecimento global. Uma vez que o senhor mesmo diz que hoje isso já é um fato aceito, o IPCC ainda é necessário? Ainda é preciso levantar essa bandeira?
Sem dúvida nenhuma. Não é levantar bandeira. A gente precisa - inclusive para ajudar na implementação de políticas públicas - de um embasamento científico muito bem feito, forte, feito internacionalmente. Não por um país, tem que ser feito pela ONU. E políticas públicas de sucesso só são realmente eficazes se forem baseadas em ciência sólida. E esse é o papel do IPCC: compilar o que tem de sólido, o que tem de robusto na ciência das mudanças climáticas.
(Por Dayanne Sousa, Terra Magazine, 18/10/2010)