Ministério Público (MP) quer saber se o mercúrio metálico encontrado em um terreno vazio no município de Rosana, a 730 km da capital paulista, contaminou o solo e o lençol freático da região. O produto, altamente tóxico, estava em frascos dentro de uma sacola plástica na Rua do Bosque, lote 13, quadra 12, no chamado ‘Cinturão Verde’ de Rosana. A sacola foi encontrada, no fim de junho, por crianças de uma família que mora perto do local. Elas levaram os frascos para casa, encantadas com a movimentação do líquido prateado. Até agora, foram identificadas na cidade 60 pessoas com algum grau de contaminação, entre crianças e adultos.
Segundo o promotor de Justiça Jandir Moura Torres Neto, o MP instaurou inquérito civil público em julho, com o objetivo de verificar quem foi o responsável pelo descarte do mercúrio e se houve omissão da Prefeitura em relação ao caso. Reportagem de Cleide Carvalho e Leonardo Guandeline, O Globo.
- Nosso principal objetivo é saber se houve contaminação do lençol freático ou do solo, para adotar medidas para impedir a contaminação. O local está isolado e preservado. Falta agora o laudo da Cetesb para sabermos se houve ou não algum tipo de contágio – diz o promotor.
Segundo Jandir, um ofício foi encaminhado nesta sexta-feira à Cetesb pedindo que a companhia ambiental do estado de São Paulo envie, num prazo de 15 dias, o laudo parcial ou definitivo em relação às investigações sobre a possível contaminação do solo e do lençol freático.
O inquérito civil público, de acordo com o promotor, foi aberto após o comparecimento do pai das crianças que encontraram a sacola no Fórum de Rosana, em 5 de julho. De acordo com Jandir, nos próximos dias devem ser ouvidos representantes da empresa que faz a coleta do lixo na região e uma das pessoas que têm consultório odontológico na cidade, pois a suspeita é que o mercúrio tenha vindo de uma delas.
O grau de contaminação é mais elevado nas 12 pessoas da mesma família para onde a sacola com o produto foi levada primeiro. Pai, mãe e seis crianças, com idades entre 2 e 12 anos, foram contaminados. Foram contaminadas ainda a avó das crianças, uma tia e dois primos. Os casos mais graves são os de duas meninas, de 2 e 3 anos de idade, que foram internadas duas vezes com diarreia. Uma delas teve sangramento na gengiva. A alta da última internação, em Campinas, foi no último dia 1º de outubro.
As duas casas da família – dos pais da criança e da avó – ficam lado a lado, e seguem interditadas.
- Eles mantiveram o mercúrio dentro de casa por pelo menos oito dias. Só perceberam o problema quando as crianças começaram a apresentar eritema na pele e diarreia. A mãe pegou o mercúrio e jogou fora, na mesma área onde tinham encontrado. Os profissionais de saúde fizeram o alerta e enviamos o Corpo de Bombeiros para fazer as buscas e o recolhimento do material – diz David Rodrigues, secretário de Saúde da cidade.
Segundo Rodrigues, antes de os problemas surgirem, uma das meninas da casa colocou o mercúrio dentro de um tubinho de caneta e levou para a escola para brincar. A sala de aula onde o mercúrio foi manuseado foi desinfectada com enxofre.
- As outras crianças gostaram da ‘bolinha prateada’ que se movimentava. É bonitinha, uma bolinha prateada, e ninguém reparou. Graças a Deus, a bolinha era pequena – diz o secretário.
Rodrigues diz que o mercúrio descartado irregularmente, pertencia, provavelmente, a uma clínica odontológica, pois junto com a sacola havia também próteses dentárias. Ele explica que o mercúrio, em pequena quantidade, é usado para fazer obturações de dente com amálgama.
Apesar de ser identificado como material de consultório odontológico, o secretário diz que não é possível saber se é de algum consultório da própria cidade, já que Rosana está na divisa com os estados de Paraná e Mato Grosso e o local onde o descarte foi feito é relativamente perto da rodovia.
O mercúrio estava vencido. Foi fabricado em 2002 e o prazo de validade terminou em 2007. O correto seria que o descarte fosse feito na Vigilância Sanitária do município.
O mercúrio é um metal líquido e prateado, altamente tóxico. É o mesmo encontrado em termômetros. Em contato com pessoas, causa danos importantes à saúde, sobretudo ao sistema nervoso, cardiovascular, imunológico e reprodutivo. Segundo o informe do CVE, o produto “possui características toxicológicas que, mesmo em pequenas quantidades, dispersas sob forma de gotículas, sofre evaporação e pode ser absorvido pelo organismo humano através da via respiratória”. Em doses altas, pode matar.
As pessoas expostas ao mercúrio estão sendo acompanhadas pelos diversos serviços municipais e pela Secretaria de Estado da Saúde. De acordo com Rodrigues, os 60 pacientes contaminados estão sendo submetidos semanalmente a exames de sangue e urina. A primeira medida é que o mercúrio seja expelido do organismo. Os exames são encaminhados para Presidente Prudente, a 215 km de distância, e de lá para a capital paulista. Nos casos mais graves, como o das duas meninas de 2 e 3 anos de idade, foram usados quelantes – produtos que ajudam a expulsar o produto do organismo.
- O tratamento, segundo os médicos, está indo muito bem. As crianças estão bem e indo à escola – diz ele.
A Secretaria de Saúde orientou que todo paciente morador do Distrito Primavera, Município de Rosana, SP, que procurar o serviço de Saúde e apresentar dois ou mais dos seguintes sintomas: falta de ar, sensação de aperto e dor no peito, gengivite, náusea, vômitos, dor abdominal, diarréia, cefaléia, febre de resolução fugaz, gosto metálico na boca, tremor da língua, alteração do paladar e do olfato, ou ainda quadro psicótico agudo, deve ser submetido a investigação para diagnóstico de possível contaminação. Os casos identificados devem ser notificados.
De acordo com Rodrigues, os frascos estavam jogados em uma área de eucaliptos na periferia da cidade, a 200 metros de um terreno da Prefeitura usado para descarte de entulho de construção civil e corte de árvores, que não tem qualquer tipo de proteção e fica na periferia da cidade, no Distrito de Primavera.
A Prefeitura foi multada em R$ 83 mil pela Cetesb, a companhia ambiental do estado de São Paulo, mas recorreu do valor. Argumenta que o produto não pertencia à Prefeitura e não estava dentro do local de descarte de entulho de material de construção, apenas próximo a ele.
Como as duas moradias da família seguem interditadas pela Cetesb, a Prefeitura de Rosana cedeu uma casa de sua propriedade, próxima a um posto de saúde, para abrigar as 12 pessoas com grau mais alto de contaminação. Segundo Rodrigues, foi registrado boletim de ocorrência e aberto inquérito policial.
(EcoDebate, 18/10/2010)