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acidentes tóxicos substâncias químicas tóxicas
2010-10-18 | Tatianaf

Marcas de pneu vermelhas se estendem pelas estradas que levam ao extinto vulcão Somlo, onde fica a menor região vinícola da Hungria, localizada a poucos quilômetros do pior desastre ambiental da história do país.

Faz quase duas semanas que uma represa de concreto que abrigava milhões de galões de lodo tóxico se rompeu, varrendo dois vilarejos e matando nove pessoas. Os campos ainda estão vermelhos, misteriosamente cercados por bordas brancas cor de gesso – por causa da gipsita que as equipes de emergência usaram para tentar neutralizar o lodo cáustico. Reportagem de Gyorgy Dragoman, The New York Times.

Meu sogro comprou recentemente um pequeno vinhedo em Somlo. A primeira colheita acontecerá neste outono, e meus dois filhos estão ansiosos para colocar seus pés sobre as uvas. Graças ao derramamento, eles acabaram aprendendo outra coisa.

Eles me perguntaram se foi uma erupção de lava; queriam saber se foi um acidente parecido com o do reator sobre o qual eu escrevi em um dos meus livros. Eu respondi: “não, não é lava; sim, isso queima; não, não é radiação.”

Meus filhos não são os únicos que queriam saber mais sobre a “coisa vermelha”. O que exatamente era o lodo armazenado nos reservatórios de milhões de metros cúbicos espalhados por toda esta parte da Hungria.

Meu sogro me disse que eles sabiam do reservatório – todos na região sabiam. Mas existe uma estranha crença na eternidade do concreto nesta parte do mundo – as pessoas construíram suas casas a poucas centenas de metros do reservatório, e a MAL, companhia dona do lodo, estava tão certa de sua durabilidade que não tinha um protocolo para responder a um vazamento.

Agora tudo é desconhecido. Os vilarejos afetados estão numa paisagem vermelha como Marte. As pessoas tentam limpar usando suas pás para neve, ferramentas que costumam ficar guardadas por mais alguns meses. O som sinistro de lodo escorrendo pelas bordas das pás ressoa nos ouvidos e torna a falta de informações confiáveis ainda mais dolorosa.

Logo depois do vazamento, a Academia Húngara de Ciências declarou que o lodo vermelho era atóxico. O diretor-executivo da MAL disse à televisão que se tratava de uma substância totalmente inofensiva, que poderia ser simplesmente retirada com água.

Não demorou para que eles fossem desmentidos. As equipes de resgate sofreram queimaduras severas, aparentemente ninguém as havia alertado que o lodo tinha 13 de pH, tão corrosivo quanto lixívia.

A distância entre as declarações oficiais e a realidade das pessoas morrendo parecia aumentar a rachadura no concreto. Para muitos, ela trouxe a recordação da época, num passado que se acreditava distante, em que boa parte da vida na Hungria era definida por rumores e mentiras, quando tudo era um jogo de fingir e acreditar.

Desta vez enfrentamos um perigo desconhecido, embora advindo de uma substância que vínhamos gerando há décadas – um subproduto do processo de produção que transforma a bauxita em alumina, para uso na produção de alumínio. O medo se transformou em raiva, e as pessoas exigiram a verdade.

A academia rapidamente colheu novas amostras. Dez dias depois que o lodo começou a vazar ficamos sabendo que ele era de fato tóxico, continha níveis elevados de arsênico; e quando secasse se transformaria numa poeira tóxica.

Não são notícias reconfortantes, mas pelo menos sabemos quão ameaçadora é a lama vermelha. Embora as autoridades ainda tenham que descobrir exatamente como conter e limpar o vazamento, uma nova represa de contenção em torno dos vilarejos já está pronta, e nos dizem que muitas pessoas poderão voltar logo para casa.

Ainda assim, o desastre deixou claro que a Hungria precisa reavaliar sua herança ambiental, as décadas em que guardou lixo industrial tóxico por todo o país. O próximo passo é descobrir exatamente o que está sendo armazenado, onde e sob quais condições. E precisamos descobrir qual é a melhor forma de jogar fora ou conter o material.

Esta reavaliação terá que ser um debate político, envolvendo não só os cientistas. Ela precisa ser um debate sobre o motivo pelo qual um dia nós aceitamos essas ameaças às pessoas e ao ambiente – o que significa que o debate precisa ser sobre o nosso passado, um tópico que muitas pessoas no poder fazem o possível para evitar.

Meu sogro disse que seus colegas vinicultores começaram a limpar as marcas de pneus das estradas em torno do Somlo. A poluição não chegou a atingir o fornecimento de água, disse ele. O vento sopra do norte, para longe da montanha, e os vinicultores acreditam que a colheita pode ser salva. Mas esta é a única coisa sobre a qual eles têm certeza.

(New York Times, UOL Notícias, EcoDebate, 18/10/2010)


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