Sob acaloradas discussões que se estenderam pelo final de semana até a madrugada do domingo (10), o governo brasileiro voltou atrás e acabou colaborando para a aprovação de um protocolo sobre responsabilidade em caso de danos causados pelos transgênicos. A delegação brasileira vinha demonstrando uma forte oposição às garantias financeiras que cobririam os danos, mas acabou cooperando para a aprovação do texto final do Protocolo Suplementar ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.
O Protocolo foi chamado de Nagoya-Kuala Lumpur em homenagem à cidade japonesa sede da 5o MOP, e a capital da Malásia, que sediou as últimas duas reuniões do Grupo de Trabalho sobre Responsabilidade e Reparação, onde foram aprovadas a maioria dos artigos constantes no texto do atual regime de responsabilidade.
Os seis anos de negociações do Protocolo sobre Responsabilidade por danos foram caracterizados por uma batalha entre países em desenvolvimento, importadores de grãos GM, grandes exportadores de transgênicos e países desenvolvedores da tecnologia. O Brasil, como um dos maiores exportadores de commodities transgênicas, trabalhou durante estes anos para minar a construção de um Protocolo que pudesse responsabilizar o país e também os operadores da cadeia produtiva pelos danos gerados à biodiversidade e à saúde de países importadores da tecnologia.
Durante essa última semana de negociações, que ocorreram de 06 a 10 de outubro, as principais discussões ficaram em torno do direito das Partes de exigirem garantias financeiras ao comércio de transgênicos para cobrir possíveis danos gerados pelos OVMs. O Brasil, juntamente com Paraguai, México e África do Sul, se colocava frontalmente contra esta previsão, que encareceria o mercado de transgênicos e reforçaria uma cadeia produtiva de sementes GM já concentrada nas mãos de pouquíssimas gigantes da biotecnologia, como Monsanto, Syngenta, Bayer, Basf, Dow e Dupont – que detém cerca de 90 % das vendas totais de sementes transgênicas.
Negociadores do Itamaraty, sob protestos de parte da delegação brasileira, como o Ministério da Agricultura, tiveram que flexibilizar o posicionamento brasileiro e aceitar a previsão que confere direito às partes de exigirem garantias financeiras dos operadores da tecnologia transgênica para cobrir possíveis danos ao meio ambiente. Entre outros fatores que influenciaram a mudança de postura do Brasil estão o status internacional de país mega-diverso, o momento eleitoral interno e a pressão exercida pelas organizações e movimentos sociais.
Apesar da postura proativa do Brasil, o Protocolo de Responsabilidade como um todo é fraco, já que não prevê garantias efetivas de que medidas suficientes sejam tomadas para reparar os danos à biodiversidade. Garantias financeiras poderiam ser um instrumento para protegerem os países e os cidadãos, para que estes não arquem com os custos dos danos causados pelas empresas da cadeira produtiva dos transgênicos.
O texto aprovado prevê que no 1° Encontro das Partes do Protocolo, assim que entrar em vigor, devem ser feitos estudos sobre as modalidades de segurança financeira e sobre os impactos ambientais, econômicos e sociais decorrentes. Esta previsão é um meio termo encontrado entre a necessidade de proteção da biodiversidade e preocupação de que esse Protocolo sirva apenas para gerar mais mercados para as seguradoras. Ate lá se reconhece o direito dos paises de pedirem seguros para importar transgênicos a fim de garantir que quem lucre com a tecnologia seja quem deva pagar pelos danos gerados por ela.
Outra questão que gerou muita polêmica foi sobre a proposta de estender o escopo do Regime de responsabilidade para cobrir também danos resultantes dos produtos derivados de transgênicos, como uma proteína, uma toxina ou até um material processado a partir de um transgênico, como a farinha. Apesar de não mencionar os produtos derivados no texto final aprovado, haverá uma diretiva reconhecendo o direito dos paises interpretarem que este Protocolo de Responsabilidade também se aplica aos danos decorrentes de produtos derivados de transgênicos.
A partir da aprovação do Protocolo será iniciada uma nova batalha pela biossegurança e pela manutenção da biodiversidade brasileira, já que o documento discutido em Nagoya deverá ser aprovado também pelo Congresso Nacional. Nesta segunda feira (11) ocorre o primeiro dia da 5ª COP MOP em Nagoya, onde o Protocolo Nagoya-Kuala Lumpur de responsabilidade deve ser adotado. Esperamos que o Brasil assine o texto final em defesa da biodiversidade do planeta e do próprio país.
Por fim, é preciso ressaltar que a mudança na posição brasileira durante a MOP 5 se deve à mobilização exercida pela sociedade civil, que no último dia de negociações em Nagoya encaminhou uma carta a Presidência da República cobrando a defesa da necessidade do seguro como medida de biossegurança, além do Documento Final assinado por 65 organizações, no processo preparatório da COP MOP.
(Terra de Direitos, OngCea, 12/10/2010)