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2010-10-06 | Tatianaf

O Direito Ambiental brasileiro firma-se em três pilares: a Constituição Federal, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6938/81) e o Código Florestal (Lei n° 4771/65). Esta fundação sólida permitiu que nosso instrumental jurídico ambiental fosse considerado um dos mais avançados do mundo. A implosão de qualquer desses pilares pode acarretar a ruína de toda a estrutura.

Eis que é aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, no dia 06 de julho de 2010, o Substitutivo de Projeto de Lei n°1876/99, o alardeado “Novo Código Florestal”. Em clara ofensa ao Princípio Internacional de Proibição do Retrocesso Ecológico, o projeto de relatoria do Deputado Aldo Rebelo acarreta a regressão de diversos instrumentos legais de proteção do Meio Ambiente. Fundamentado por sofismas e pelo temor xenofóbico do “estrangeiro”, o Brasil caminha para ser o primeiro país democrático a aprovar lei pela redução da proteção ambiental. Mais um triste título que não queremos ostentar.

O risco de inundações e desabamentos, bem como as ameaças à segurança e ao bem estar da população, ficam evidentes quando o Projeto de Lei reduz as áreas de preservação ao longo dos cursos d’água dos atuais 30 metros para 15 metros de faixa marginal, demarcadas a partir do leito menor do curso d’água. Com isso, será permitida a ocupação de extensas áreas inundáveis. Um país castigado por recentes tragédias decorrentes de enchentes não deveria sequer cogitar essa possibilidade.

[Leia na íntegra]O Projeto de Lei 1876/99 retira a proteção dos topos de morro e de terras acima de metros de altitude. Reportamo-nos às perdas humanas causadas por desabamentos de morros no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, no início do presente ano, para provar que deveríamos buscar a aplicação concreta da legislação atual ao invés de abandoná-la.

Também trará graves conseqüências a dispensa a obrigação de manutenção de Reserva Legal em imóveis com até quatro Módulos Fiscais. Reserva legal é um percentual de vegetação nativa que deve ser mantido em cada posse ou propriedade. A suposta justificativa para esta hipótese de inexigibilidade de Reserva Legal seria a proteção à pequena agricultura familiar. Todavia, o supramencionado dispositivo legal não faz qualquer referência à condição sócio-econômica do beneficiário da dispensa. A Lei 4771/65 já traz providências diferenciadas para a agricultura familiar. O que precisamos é garantir sua aplicação prática, sem abandonar a proteção de maneira irrestrita. Na verdade, o Projeto do Deputado Aldo Rebelo está estimulando o fracionamento de propriedades de riquíssimos empreendedores, que passarão a se beneficiar de importantes recursos ambientais, deixando o prejuízo para ser arcado pela sociedade.

O “Novo Código Florestal” propõe o cômputo da área de preservação permanente no percentual de Reserva Legal de cada imóvel. Qualquer estudo cuidadoso sobre o tema levará à conclusão de que a Área de Preservação Permanente e a Reserva Legal exercem funções diferentes, porém complementares. Enquanto a Área de Preservação Permanente desempenha primordialmente as funções de preservação de áreas e ecossistemas frágeis, a Reserva Legal presta-se à conservação de vegetação e fauna nativa, representativas do bioma em que estão localizadas (Floresta, Cerrado, Campos, etc). A Área de Preservação Permanente e a Reserva Legal integram um mosaico de proteção de serviços ecológicos como abrigo de fauna, polinização, manutenção da biodiversidade, estoque de carbono e regulação do clima.

Além de implicar em grave retrocesso na proteção ambiental referente a situações futuras, o substitutivo do Código Florestal se presta a anistiar desmates ilegais e degradações ambientais causadas até 22 de julho de 2008. O projeto em foco defende não só a proibição de autuações e a suspensão de multas e sanções administrativas, como também a consolidação das ilicitudes cometidas até a referida data, sem necessidade de recuperação das áreas degradadas. Assim, a legislação pátria estará premiando todos aqueles que descumpriram legislação vigente e penalizando todos os empreendedores que arcaram com os ônus decorrentes do cumprimento da função socioambiental da propriedade. O resultado prático será o estímulo à concorrência desleal, o descrédito das instituições públicas, o impedimento da regeneração de ecossistemas impactados e a perpetuação da degradação e da perda de recursos ambientais.

Eventual aprovação do Projeto do Deputado Aldo Rebelo contribuirá para o aquecimento global. Segundo estudo elaborado pelo Greenpeace e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a aprovação do Novo Código Florestal poderá resultar na emissão de 25 a 31bilhões de toneladas de carbono só na Amazônia.

Contrariando o argumento da suposta falta de áreas agricultáveis, utilizado para apoiar o Novo Código Florestal, recente estudo coordenado pela Esalq-USP mostra que o país ainda dispõe de mais de 100 milhões de hectares de áreas plenamente aptas a implantação de atividades agrícolas. Nas vastas áreas disponíveis, a associação da evolução tecnológica com manejo agrícola sustentável, além do melhor aproveitamento das culturas já implantadas, nos dão a garantia de segurança produtiva, sem necessidade de redução da proteção ambiental.

O Projeto do Deputado Aldo Rebelo reforça a tradição de busca por medidas simplistas e milagrosas para resolver problemas complexos. É muito mais fácil abraçar as ilegalidades cometidas e deixar de proteger e recuperar o meio ambiente do que adotar medidas que efetivamente iriam agilizar e estimular o desenvolvimento sustentável; como o adequado aparelhamento dos órgãos ambientais, a criação de estímulos financeiros, fiscais e creditícios para a preservação e o aporte de recursos estatais para a adequação das pequenas propriedades de agricultura familiar. Alegar que o Código Florestal não está sendo cumprido integralmente não é justificativa para depredá-lo. Se adotássemos tal raciocínio, teríamos de parar de penalizar o homicídio e o tráfico de entorpecentes. As verdadeiras soluções devem ser discutidas dialeticamente, resultando em políticas públicas concretas ao invés do simples retrocesso da legislação.

(Por Mauro da Fonseca Ellovitch, Promotor de Justiça, 06/10/2010)


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