Entre os impactos que o aquecimento global deve provocar nas próximas décadas está a redução da produtividade na agricultura. Um ambiente mais quente será prejudicial, principalmente nas regiões tropicais, onde as temperaturas já são mais elevadas.
Estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) aponta que, mesmo não sendo percebida no médio prazo, até o ano de 2100 a lucratividade da agricultura no Brasil deve ser reduzida entre 9,4% e 26% – dependendo da quantidade de poluentes emitidos na atmosfera. A agricultura familiar – com menos acesso à tecnologia e a recursos – deve ser a mais afetada.
Investimentos em pesquisa e tecnologia podem fazer as espécies de plantas se adaptarem melhor às temperaturas elevadas. Mesmo assim, as mudanças climáticas terão impacto no preço das propriedades rurais, em especial as localizadas no Norte e no Nordeste do país. Já no Sul e no Sudeste, o clima mais quente pode até contribuir para aumentar aprodutividade. Reportagem de Juliana Cavalcanti, no Diário de Pernambuco.
Nas alternativas apontadas pelo Ipea para minimizar tais impactos estão a mudança das matrizes energéticas, com a prioridade para os biocombustíveis e fontes renováveis. Entretanto, mais do que diminuir os impactos, já iniciados, será preciso ajudar as pessoas a se adequarem às mudanças do clima.
“Essas adaptações têm sido feitas desde sempre, pois as variações climáticas sempre aconteceram. A preocupação maior é com a velocidade das mudanças e na forma que os agricultores, principalmente da agricultura familiar, vão se adaptar para conviverem com um planeta mais quente e também buscando alternativas à uma provável queda na produtividade”, considera um dos autores do estudo do Ipea, o biólogo Diego Lindoso, da Rede Clima – formada por 10 instituições brasileiras, entre as quais a Universidade Federal de Brasília (UNB), onde desenvolve pesquisa sobre mudanças climáticas e desenvolvimento regional.
Lindoso ressalta a importância coordenar investimentos em educação, estímulo ao associativismo e arealização de políticas públicas com foco na agricultura familiar como formas de permitir o acesso às informações e às políticas públicas. “No Nordeste, principalmente, há pouca tradição na organização de associações, que junto com a falta de regularização da posse da terra, dificulta o acesso a financiamentos”, lembra o biólogo, para quem só ações paralelas, em diversas áreas, poderão minimizar os impactos do aquecimento global para os mais pobres.
“A maioria das pessoas que entrevistamos nunca ouviu falar em aquecimento global ou mudanças climáticas. Mas, à medida que elas têm acesso à instrução, acabam se apropriando das informações e criando alternativas. Não adianta estudar e atuar apenas em como o clima se comporta, se não existe atenção sobre como a população se comporta”, diz.
Cultivo orgânico ganha mais força
Quando o agricultor Severino Francisco Monteiro decidiu mudar o sistema de produção de sua plantação há quase 10 anos, tinha como objetivo uma qualidade de vida melhor. Não sabia exatamente os efeitos provocados por defensivos agrícolas, nem pensava em questões como aquecimento global.
“Eu produzia banana e chuchu, vendia, mas não comia o que produzia porque não tinha coragem. Só os alertas que colocam nas embalagens já dão medo”, conta, lembrando que um terço do orçamento ia somente para comprar agrotóxicos, numa conta que não fechava.
Morador da região do Mocotó, no cinturão verde de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata Norte do estado, Bio Chico, como é mais conhecido, migrou aos poucos para o cultivo orgânico, diversificou as lavouras e, antes desacreditado pelos vizinhos, hoje vive da venda dos alimentos que produz e que também servem de alimento para ele e para a família.
A mudança de um sistema para o outro contou com o apoio de organizações não-governamentais, com promoção de cursos e introdução detécnicas e práticas agrícolas, e nos últimos anos, também com a assistência da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Pernambuco (IPA). Aos poucos, não apenas o sistema produtivo havia mudado, mas uma filosofia diferente de ver a natureza havia sido incorporada.
Cultivando mais de 20 tipos de hortifruti, Bio Chico atualmente é presidente da Associação de Agricultores de Base Familiar e Cultivo Orgânico da Região de Mocotó (com 26 associados), concluiu o curso técnico de agricultura, no Instituto Técnico Federal de Vitória de Santo Antão e já pensa em fazer o curso de agronomia.
“Quem achava que eu ia morrer de fome, hoje já está produzindo orgânico também. Acho que estudar abriu as portas para outras coisas. Uma pessoa pode fazer a diferença, desde que queira, né?”, fala, orgulhoso da produção variada, vendida em feiras de orgânicos em Vitória e no Recife. “A associação fez a gente deixar de ser dependente do atravessador. Agora, a gente pensa outras formas de escoar a produção”, explica.
Maria Edvânia de Assis,técnica extensionista do IPA, explica como o acesso à informação muda a visão dos agricultores. “Todos tiveram uma melhoria na qualidade de vida. A produção orgânica diminui muito os custos. Mesmo o retorno da área sendo um pouco menor, no preço final eles conseguem até 50% a mais no valor”, explica.
(EcoDebate, 05/10/2010)