É tradição se dizer que o segundo turno é uma outra eleição. Claro que é, mas o panorama eleitoral não se modifica tanto assim, em princípio. Com certeza, agora, com apenas dois candidatos e sem o engessamento das regras para os debates, a troca de opiniões e a formatação do futuro governo, seja de Dilma Rousseff ou de José Serra, serão visíveis a olho nu, via televisão.
Pelos números, quem poderá decidir as eleições será o Partido Verde, da ainda pura, politicamente falando, Marina Silva. Ela cativou, com sua transparência quase juvenil e coerência, milhões de brasileiros. No entanto, só isso não basta para administrar o Brasil, que é muito grande, complexo e díspare em termos socioeconômicos.
Da mesma forma, como vaticinar para quem migrarão os votos de Marina/Partido Verde? Se eleita fosse, Marina acabaria comendo pelas mãos dos demais partidos, maiores e organizados há mais tempo. Uma ordem vinda de gabinete para que os eleitores de Marina votem nesse ou naquela candidata terá pouco efeito. Vota-se em indivíduos, não em partidos. Na Bahia, pessoas afirmavam que votariam “na mulher do homem”, ou seja, Dilma e Lula. Mas se Marina Silva aparecer, ao vivo e em cores, pedindo votos para Dilma ou Serra, pesará.
Da mesma forma que o presidente Lula transferiu para Dilma sua incrível popularidade de quase 80% de aprovação, caso Serra consiga trazer para o vídeo Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves terá retorno. Em que quantidade, só as urnas responderão. Foi uma bela eleição, mas com 40 partidos houve a fissão mental, embora ideias não sejam metais que se fundem. Demonstrou-se que os partidos atingiram a fadiga e uma nova legislação deve ser pensada. No exterior, apesar de uma certa surpresa com o segundo turno, a maioria julga que no dia 31 de outubro Dilma vencerá.
É o caso do influente The New York Times. Segundo o jornal, apesar da falta de experiência política e carisma, ela tem a seu favor a onda de prosperidade atual do Brasil e a boa sensação da população de estar sob o comando do presidente Lula. Eleita, Dilma irá se juntar ao rol das líderes que quebraram a barreira do gênero nos últimos cinco anos, como Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, Cristina Kirchner, presidente da Argentina, e Angela Merkel, chanceler da Alemanha.
Certos analistas e investidores estrangeiros têm preocupação com o background esquerdista de Dilma, que poderia resultar em maior controle da economia. Mas a percepção do eleitor é que Dilma continuará o trabalho de Lula, com metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Foi uma eleição tranquila, organizada e na qual, apesar das lendas urbanas sobre a possível violação das urnas eletrônicas, o povo se manifestou. Se tivemos um rinoceronte, Cacareco, sendo eleito por São Paulo, voto de protesto, por que Tiririca não poderia também chegar à Câmara Federal? Os governadores eleitos que tragam alegria por governar, entusiasmo e claridade, fazendo o que todos esperam. Fraco é aquele que permite que seus pensamentos controlem as suas ações e forte é aquele que força suas ações a controlar seus pensamentos. A cada dia, quando acordarem, tenham em mente o que fazer em prol do bem comum antes que sejam capturados pela tristeza, a lamúria ou o fracasso.
(JC-RS, 05/10/2010)