Há décadas, terras agrícolas brasileiras despertam a cobiça de estrangeiros. Isso não é uma novidade. No entanto, o parecer 01/2008, da Advocacia Geral da União (AGU), aprovado pela Presidência da República, é uma barreira que pode mudar esse quadro. O texto, publicado no dia 23 de agosto passado, limita a compra de terras brasileiras por estrangeiros.
Segundo Jacques Tavora Alfonsin, advogado e procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul, o parecer reforça a defesa de direitos humanos fundamentais para o povo brasileiro, como a soberania nacional.
“O direito de propriedade tende a se expandir ilimitadamente, subordinado apenas à capacidade econômica de quem compra terra. Se isso já causou tantos males ao país, que a própria Constituição Federal viu-se forçada a prever, num inteiro capítulo da sua redação, a necessidade inadiável da Reforma Agrária, é porque a concentração desse direito em poucas mãos, sem controle eficaz, é danosa para a terra e o povo da terra”, explica.
Com o parecer, empresas controladas pelo capital estrangeiro estão impedidas de adquirir imóveis rurais acima de 50 módulos fiscais (varia entre 250 a 5 mil hectares, dependendo da região do país). O capital estrangeiro também não poderá comprar terras que representem mais de 25% da área de um município.
Controle do agronegócio
No entanto, há especialistas que desconfiam de que o texto da AGU sozinho seja insuficiente para garantir o controle do agronegócio no país. “Se a aplicação das disposições constitucionais e infraconstitucionais, relacionadas com o controle da terra, for respeitada, o parecer será suficiente”, afirma Alfonsin.
Segundo ele, o parecer conta ainda com um sólido amparo legal para se tornar eficaz. Por exemplo, o Estatuto da Terra, as leis 5709/71 (posse e propriedade de terras no território nacional) e 6634/79 (competência do Conselho de Segurança Nacional para autorizar ocupação do território brasileiro), ambas anteriores a Constituição de 1988, além da 8629/93.
“Se existe algum ponto negativo no parecer da AGU, esse talvez possa ser, salvo melhor juízo, o de ter se preocupado demais com a revogação do art. 171 da Constituição Federal, aquele que distinguia empresa estrangeira, de empresa nacional com maioria de capital estrangeiro”, ressalta o advogado.
Por outro lado, especialistas em investimentos afirmam que, com o parecer, vai cair o número de investimentos no Brasil e que as matérias-prima, como a celulose, vão ficar mais caras.
O ex-procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul não concorda com a avaliação. “Sempre que um mega projeto econômico se vê, de alguma forma, limitado no seu ímpeto de expansão sobre terra e domínio sobre pessoas, reclama com estridência ao nível do escândalo público”
Alfonsin acredita que essa ameaça tem base apenas nas “lei do mercado”. “Isso demonstra o quanto o poder econômico deste sistema se sente e tem-se mostrado bem superior ao poder da lei do Estado”, completa.
Espoliação dos estrangeiros
De acordo com o Banco Mundial, o Brasil possui cerca de 15% das terras no mundo ainda não exploradas. A entidade também revela que 46,6 milhões de hectares de terras foram adquiridos por estrangeiros nos países em desenvolvimento, entre outubro de 2008 e agosto de 2009 - área superior a toda a região agricultável do Reino Unido, França, Alemanha e Itália.
Dados divulgados pelo Incra, em junho de 2010, informam que o maior número de hectares sob controle de estrangeiros no Brasil está no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, Goiás, Pará e Amazonas.
“A nossa história, lamentavelmente, registra que aquilo que se tem considerado crescimento econômico não equivale à melhoria do bem-estar social de todo o povo. Os vestígios do modelo colonizador que se implantou aqui, desde 1500, ainda perduram em grande parte da cultura exploradora e predatória da nossa terra”. denuncia.
As obras dos maiores pensadores da realidade brasileira, como Celso Furtado (A formação econômica do Brasil), Raymundo Faoro (Os donos do poder), Ruy Cirne Lima (Terras devolutas), Sergio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Darcy Ribeiro (O processo civilizatório), de acordo com Alfonsin, apontam que a “presença estrangeira sobre nossa terra, com raras exceções, foi marcadamente espoliativa e predatória”.
A STCP Engenharia, de Curitiba, informa que o parecer do governo resultou na suspensão de cinco projetos florestais e agrícolas que estava tocando, que somariam US$ 3,2 bilhões, sendo que US$ 700 milhões seriam destinados à implementação de indústrias.
“A terra não é somente de proprietários. Ela tem um destino natural que não é o de dar abrigo e alimento a todo o povo. Esse não pode ser traído, de modo particular, pelo agronegócio exportador, cujo apoio da mídia e de grande parte do Poder Público faz parecer como a panacéia dos nossos males”, esclarece o advogado.
Ele espera que as conclusões previstas no texto do parecer sejam respeitadas e reforcem Poder Público da União.
(Por Vanessa Ramos, MST, 04/10/2010)