O que simples formigas, gafanhotos e besouros podem ajudar na recuperação de áreas degradadas? Para aqueles que estão à frente de pesquisas na área de entomofauna os insetos têm muito a contribuir, pois fornecem informações importantes em relação ao ambiente impactado, afirma a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT) e integrante da Rede CTPetro Amazônia, Maria de Fátima Vieira.
Juntamente com a também pesquisadora Leonor Cristina Silva Souza, o estudo que tem como título Entomofauna de Jazidas e Viveiros de Urucu (AM), iniciou em 2004 e “procura reunir informações sobre a composição da entomofauna em plantios de idades diferentes, determinar a riqueza e abundância dos grupos de insetos selecionados, e verificar o comportamento alimentar mediante a utilização de iscas na recuperação de áreas degradadas da Base Operacional Geólogo Pedro de Moura (BOGPM)”, explica Maria de Fátima.
[Leia na íntegra]Segundo ela, o monitoramento requer repetição. “Primeiro fizemos um diagnóstico do que existia e, a partir destas informações selecionamos os grupos que nos dariam um melhor caminho para o monitoramento das Jazidas 18, 22, 23 e da LUC 51 e 52”.
Ela explica foram escolhidas as jazidas para trabalhar de acordo com a sua idade. “Pegamos jazidas de zero a cinco anos de idade, ou seja, totalmente degradada e com os plantios iniciando; depois de cinco a 10 anos, ainda de 10 a 15 anos e acima de 15 anos, pois o nosso tempo era curto e queríamos saber qual era a resposta dentro de 20 anos. Portanto, fizemos este diferencial com relação à idade das jazidas a fim de saber o comportamento, por exemplo, das formigas”.
Os grupos-alvo escolhidos foram gafanhotos, formigas e besouros. Em relação aos gafanhotos, Maria de Fátima ressalta que “como eles são identificados como pragas na agricultura, destruidores de plantações, é importante entender o comportamento deste animal dentro do Urucu”.
Estratégias de captura
Monitoramento de insetos ajuda na recuperação de áreas degradadas 2
Sardinha, laranja triturada misturada com melaço de cana, banana amassada e uma papa de aveia, foi o cardápio para atrair os insetos. Conforme a especialista, o método exige rapidez; as iscas são distribuídas ao longo das jazidas e ao terminar de colocá-las – um processo que dura de 10 a 20 minutos – se inicia o recolhimento imediato, caso contrário corre-se o risco das formigas as levarem.
Na retirada das iscas que eram colocadas em tiras de sacos plásticos ou copos descartáveis presos aos troncos das árvores, as pesquisadoras – no caso das formigas – as recolhiam, traziam para o laboratório e, a seguir, faziam a triagem e identificação.
“As formigas são numerosas e verificamos tanto a diversidade como a riqueza: a quantidade, quem são elas e depois traçamos seu comportamento ao longo do tempo e em relação às plantas que estavam sendo plantadas para o reflorestamento. Constatamos um saber já confirmado pela ciência que, por exemplo, a leguminosa Ingá utilizada nas áreas de reflorestamento vive bem com as formigas e uma colabora com a outra para fazer com que o ambiente possa voltar ao seu estado quase normal”, afirma Maria de Fátima.
De acordo com ela, as formigas são excelentes indicadores de áreas perturbadas, tendo em vista que, determinadas espécies deste animal podem apontar que o ambiente edáfico se encontra em péssimas condições, e outras espécies podem indicar o contrário.
“Importante ressaltar que, as formigas são consideradas engenheiras do solo, pois enquanto brocas ou maquinários pesados não conseguem perfurar um solo altamente degradado e compactado, as mesmas realizam esta tarefa e formam pequenos canalículos que levam água para dentro do solo removendo a terra e, consequentemente, ajudando na recuperação da área”, informa a pesquisadora.
Descobertas interessantes
Durante o monitoramento, ela revela ter encontrado possivelmente uma nova espécie de gafanhoto, o Schistocerca, embora ele pertença a um grupo praga muito vasto. “Sou especialista e não consegui identificar, então é necessário fazermos um novo registro e uma descrição desse grupo”.
Em relação ao besouro, a equipe observou em Urucu uma espécie denominada Epicauta, um meloídeo que produz uma substância química chamada cantaridina, muito procurada pelos pesquisadores da área de biotecnologia, pois, segundo informações, esta substância pode ser usada no tratamento de células cancerígenas.
Um trabalho em parceria com 10 jovens cientistas – nove rapazes e uma bolsista de apoio técnico – foi desenvolvido por dois anos (2006 a 2008) e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), com o objetivo de reproduzir e estudar o ciclo de vida tanto do besouro quanto do gafanhoto.
“Para o gafanhoto conseguimos recriar em cativeiro um ambiente favorável e observar todo seu ciclo vital, analisando suas fases evolutivas, o que nos possibilitou fazer previsões sobre seu comportamento, quais plantas podemos oferecer a ele para que tenha uma criação sadia ou não. Lamentavelmente, não fomos até o fim com os besouros, eles sempre morriam antes de desenvolver um ciclo vital completo. E fica a pergunta: o que existe na natureza de especial para que lá ele consiga crescer e se desenvolver? Esta é uma questão para se responder a longo prazo”, conclui a pesquisadora.
O futuro da ciência
Maria de Fátima acredita que além das informações levantadas pela pesquisa, a possibilidade de trabalhar com jovens e trazê-los para dentro de laboratórios científicos é um dos grandes benefícios que sua profissão proporciona. “O melhor caminho para fazer com que a ciência chegue nas pessoas comuns ou não cientistas é por meio da escola, dos alunos e professores do ensino fundamental, médio e superior. Gosto de trabalhar com adolescentes e sempre que possível os incluo em meus projetos”.
Na primeira etapa da pesquisa, que participaram nove estudantes da rede pública de ensino do bairro Coroado, custeados pela Fapeam, foram realizadas duas exposições dentro de suas escolas sobre o trabalho, veiculando informação científica dentro do meio escolar, desmistificando a ciência. E, na segunda etapa iniciada em 2009, quatro estudantes ingressaram na pesquisa. “Não entendo fazer ciência sem a ajuda do povo”, frisa Maria de Fátima.
(Ministério da Ciência e Tecnologia, EcoDebate, 01/10/2010)