A Terça Ecológica nesta semana abordou um dos efeitos da “ditadura do crescimento”. A expressão foi utilizada pelo professor Paulo Brack, do Departamento de Botânica da UFRGS e representante da ONG InGá no Conselho Estadual de Meio Ambiente, para definir o momento político e econômico brasileiro. Convidado pelo Núcleo de Ecojornalistas do RS (NEJ-RS), atribui à "ditadura do crescimento" a pressa em executar os projetos do Plano de Aceleração do Crescimento, PAC, às custas da degradação ambiental, do deslocamento de milhares de pessoas e do risco de extinção de espécies e de modos de vida.
“O sistema vigente de licenciamento ambiental de hidrelétricas no Brasil está viciado,” disse, considerando que não há respeito a uma Resolução do Conama que determina que as empresas de consultoria não podem ter vínculos com os empreendedores, devido ao conflito de interesses. Lembrou ainda que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) deve oferecer alternativas de locais para o empreendimento, além de ter alternativas de geração de energia. Os casos destacados na Terça Ecológica foram o de Pai Querê e de Garabi no rio Uruguai, RS, e a de Belo Monte, no rio Xingu, Pará. Os três projetos estão sendo impostos pelo governo federal, pois as comunidades alegam que não estão sendo ouvidas, tampouco sendo informadas do andamento dos projetos. “O Estado brasileiro, a sua sociedade, deveria fazer com que a lei fosse cumprida. Os técnicos que tentam trabalhar são pressionados, sofrem assédio moral, e o Judiciário, que deveria agir, nada faz”, disse.
Os projetos hidrelétricos no Brasil, explica o professor, foram elaborados nos anos 70 e, de lá para cá, pouco ou nenhuma adequação receberam. A retomada destes projetos aconteceu já dentro do século XXI, e o acesso à informação sobre o andamento dos projetos é semelhante ao que ocorria na Idade Média. Segundo Brack, o licenciamento das hidrelétricas gaúchas está a cargo do Ibama em Brasília, apesar de haver uma Superintendência no RS com todas as condições e competência para atuar. "A única informação que se tem é a de que não saiu a Licença Prévia para Pai Querê. Todos aguardam uma resposta do Ibama de Brasília."
Recentemente foram divulgadas informações, diretamente do Distrito Federal, de que o Salto do Yucumã, situado no Parque Estadual do Turvo, não estaria ameaçado pela construção da UHE Garabi. Os ambientalistas, no entanto, alertam que isso não é possível, já que o rio Uruguai é um sistema e as hidrelétricas construídas - Itá, Machadinho, Campos Novos e Barra Grande - já causaram danos a montante e a jusante no rio Uruguai. Os milhares de ribeirinhos que vivem da pesca no rio Uruguai que o digam. Para o professor Brack, uma maneira de qualificar os licenciamentos hidrelétricos seria a realização de um estudo de toda a bacia hidrográfica, tal como foi feito em relação à Bacia Taquari-Antas. "Da maneira como são feitos os estudos, hoje, os rios acabam sendo 'leiloados'”.
Não há mais um rio Uruguai
Os membros da equipe que realizou a avaliação ambiental integrada na bacia do Taquari-Antas e, na sequência, realizou a análise das fragilidades ambientais da Bacia 75, que engloba os rios Ijuí e Butuí-Piratinim-Icamaquã, afluentes do rio Uruguai no RS, participaram, na manhã desta quarta-feira (29/9), de mais uma etapa do ciclo de palestras Qualificando as ações de licenciamento ambiental, do Ibama RS. Ambos doutores em Ecologia, o biólogo Fábio Vilella e o oceanólogo Rafael Cabral Cruz trataram da Avaliação Ambiental Integrada como Ferramenta de Planejamento, Gestão e Apoio à Tomada de Decisão na Bacia do Rio Uruguai.
Os pesquisadores apresentaram a conclusão da primeira etapa do Frag-Rio: Desenvolvimento metodológico e tecnológico para Avaliação Ambiental Integrada aplicada ao processo de análise da viabilidade de hidrelétricas. Conforme explicaram, o trabalho é interdisciplinar e contou com a participação de acadêmicos, usuários, empreendedores e responsáveis pelo licenciamento. Foi levada em consideração a necessidade de preservação de bens ambientais para o futuro, pois enxergam a bacia como um todo e não apenas um rio correndo. “Promovemos o encontro da ecologia com a engenharia, o estudo foi feito em conjunto. O rio é sistêmico, não é linear, é em rede”, disse Cruz.
O estudo demonstra que já foi aproveitado o potencial do rio Uruguai para a geração de energia elétrica por meio das hidrelétricas de Barra Grande, Campos Novos, Itá e Machadinho. A partir destes barramentos e de todas as pequenas centrais hidrelétricas já existentes, os pesquisadores concluíram que o rio Uruguai não é mais um rio, pois está todo fragmentado. E mais, que todas as áreas que restaram como a que se pretende construir Pai Querê, Garabi e Itapiranga, são de alta fragilidade.
Segundo os pesquisadores, para que situações assim não se repetissem a análise integral dos rios deveria ser feita antes do inventário, de modo que este já contivesse estas informações. O ideal, afirmam Cruz e Vilella, seria que a própria análise de fragilidade da bacia condicionasse o inventário. A maior parte dos rios brasileiros, no entanto, foi inventariada nos anos 70, muito antes da criação da legislação ambiental vigente e que é modelo para outros países. “O problema é como trabalhar este passivo de planejamento. Toda barragem é de grande impacto - umas, mais; outras, menos -, porque está fragmentando o rio. São perdidos valores significativos ambientais e, se vou perder, é porque existe outros valores na sociedade”, disse Cruz.
O Frag-Rio deve ser publicado em breve, mas os pesquisadores adiantaram ao público presente no auditório do Ibama RS algumas conclusões, como a de que os trechos remanescentes de rio livre, no Alto Uruguai, apresentam alta fragilidade para implantação de barragens. A análise integrada demonstrou hierarquizações diferentes para os empreendimentos. Considerando-se os meios físico e antrópico, o trecho mais frágil é o de Itapiranga e, considerando-se o meio biótico, o de Pai Querê. A análise desagregada de fragmentação e de influência sobre populações de pescadores demonstram alta sensibilidade do trecho a jusante da UHE Foz do Chapecó quanto à implantação do Complexo Garabi. Recomenda-se também que a decisão referente à UHE Itapiranga seja efetuada após a decisão do Complexo Garabi. A implantação da UHE Pai Querê e a AHE Passo da Cadeia, dizem os pesquisadores, extingue o único remanescente de rios livres, no trecho principal do rio Pelotas, na fisionomia de Planalto e interfere no corredor da Mata Atlântica naquela área.
Ainda que o enfoque das análises ambientais integradas tenha sido o licenciamento de hidrelétricas, os pesquisadores confirmam a aplicabilidade do estudo para a gestão de território, tanto para planejamento quanto para a conservação da biodiversidade. O Ministério do Meio Ambiente solicitou a realização destes estudos, por intermédio do MCT/CT-Hidro, com operacionalização da Finep. A proponente foi a Fateciens e os executores, a Unipampa e a UFSM. Os pesquisadores deverão, a partir de agora, se dedicar à segunda etapa do Frag-Rio.
(Por Eliege Fante, EcoAgência, 30/09/2010)