O governo federal está convicto de que investir em hidrelétricas na Amazônia é um bom negócio. “Para quem?”, questionam-se ambientalistas e pesquisadores, além de populações que serão atingidas por obras megalômanas como Santo Antonio e Jirau, em andamento no rio Madeira (RO), e de outras dez planejadas para o rios Teles Pires (MT) e Tapajós (PA), cada uma com cinco usinas, além de Belo Monte, no Xingu (PA). Há quem diga que elas podem selar a destruição da floresta. O presidente Lula parece não se incomodar, e deu sinal verde para outras Usinas Hidrelétricas de Energia (UHEs) para a região.
A quantidade exata é incerta, pois nem órgãos oficiais como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério das Minas e Energia, consegue responder quantas obras deste porte estão previstas para a Amazônia brasileira. Os números do Plano Decenal de Expansão de Energia 2019, por exemplo, referem-se genericamente apenas à “região norte”.
Para fechar o quebra-cabeças, a ONG International Rivers analisou documentos oficiais e chegou a uma conclusão de assustar: afirma que o governo planeja construir 68 empreendimentos na Amazônia brasileira, entre UHEs e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Não à toa, a EPE afirma que 66% do potencial hidrelétrico a ser explorado no país está na floresta. “A destruição tem um custo alto que não está sendo levado em conta. É óbvio que o governo não estudou impactos de todas as barragens planejadas e nem debateu isto com a população, antes de fazer seus planos”, diz Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Ao ofertar energia, criam-se condições para que mineradoras e metalúrgicas tenham interesse em explorar os recursos da região amazônica. "Querem transformar o Brasil em fornecedor de energia barata para multinacionais. Esta é uma atitude colonialista baseada na guerra econômica e não nas necessidades sociais", afirma Oswaldo Sevá, professor das faculdades de engenharia mecânica e de ciências sociais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
“A construção de UHEs não se justifica por geração de empregos ou desenvolvimento local, mas por negócios lucrativos, que é o que o capitalismo precisa para se recuperar de uma crise estrutural", complementa Sevá. "Se juntarmos todas as intervenções planejadas, teremos uma verdadeira hecatombe de consequências imprevisíveis. Hidrelétricas podem destruir a Amazônia" afirma Telma Monteiro, coordenadora de energia da Associação Kanindé, que atua em questões indígenas.
UHEs e seus impactos socioambientais
Impactos ambientais e sociais estão intrinsecamente ligados. “Parte da população que não está nas cidades e mesmo quem mora em áreas urbanas depende direta ou indiretamente dos rios para sobreviver. Os impactos vão muito além das áreas afetadas”, afirma Raul do Valle, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). “É inconcebível impactar tanto a floresta sendo que a própria região não se beneficia dessa geração de energia”, complementa Ricardo Baitelo, da Campanha de Energia do Greenpeace.
“Na Amazônia, a construção de UHEs é mais problemática do que em outras regiões do país. É fatal”, diz Baitelo. Deslocamento de populações indígenas e tradicionais, migração e caos na infraestrutura urbana são alguns exemplos de consequências sociais drásticas. Do ponto de vista ambiental, há alteração da vazão do rio, da qualidade da água, impactos para a viabilização da obra (como construção de estradas, o que gera desmatamentos), danos à biodiversidade que podem chegar à extinção de espécies e emissão de gases como CO2 e metano.
Fearnside afirma que “é expressiva a emissão de gases de efeito estufa por hidrelétricas amazônicas”. Ele explica que reservatórios em regiões tropicais, como é o caso da Amazônia, têm grandes áreas com vegetação herbácea: de fácil decomposição, cresce rapidamente e produz metano, um gás 25 vezes mais nocivo do que o CO2 para o aquecimento global - uma prova de que a propalada energia limpa das usinas é um tanto quanto questionável.
Nas usinas do rio Madeira, antes mesmo de as obras começarem já houve aumento de migração, trânsito e violência em Porto Velho (RO). Conforme explica Fearnside, em 1990 e aos seis anos de idade, a usina de Tucuruí (PA) liberava mais gases de efeito estufa do que a cidade de São Paulo. "Estas usinas, somadas às de Balbina (AM), Samuel (RO) e Estreito (TO) são desastrosas do ponto de vista socioambiental", complementa Sevá, da UNICAMP.
Para Baitelo, o governo opta por grandes obras a fontes menos impactantes por algumas razões. “É uma questão cultural, de knowhow e de desconfiança quanto ao potencial de energias renováveis, mas também tem o lado político, que envolve superfaturamentos e lucro de empreiteiras".
Estes são quesitos presentes na polêmica construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, que atropelou pesquisas econômicas e ambientais em nome do interesse do governo brasileiro. Se for construída, praticamente secará 100 km da Volta Grande do rio Xingu, extinguirá espécies de peixes, deslocará até 40 mil pessoas e alagará uma parte da zona urbana, além de ser ineficiente do ponto de vista energético: durante a maior parte do ano produzirá 40% da energia prometida de, no máximo, 11 mil MW. “Por isso, o governo está bancando. Ninguém quer assumir o risco, pois não existem garantias de retorno financeiro e nem de compensações de perdas", diz Sevá. Quem pagará a conta será o cidadão brasileiro. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) bancará até 80% do total de R$ 19,6 bilhões dos custos.
"Belo Monte vem da época da ditadura, em que não havia freios nem espaço para resistência. É uma vergonha do ponto de vista de engenharia e também ético. Há 30 anos ouvimos mentiras: a obra não será barata, mas caríssima; dados do governo mudaram três vezes a área alagada - de 430 km2, foi para 516 km2 e agora está em 640 km2; é mentira que vai atingir poucas pessoas e que, se não for feita, pode haver apagão; não vai promover o desenvolvimento de Altamira e não existe compromisso de reassentar ninguém", afirma Sevá.
As polêmicas vêm de outras ações arbitrárias do próprio governo, o que explica as nove ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal devido a irregularidades no processo. "Se ganharmos uma delas, a obra nem começa. Belo Monte não é um fato consumado, como tem sido propagado", afirma Felício Pontes Jr, procurador da república no Pará. Para ele, “esta é a obra mais cara do país, fica no coração da Amazônia e é completamente ineficiente”.
A Amazônia não precisa de hidrelétricas
De acordo com Baitelo, a média de radiação solar na Amazônia é superior à da Alemanha, país com mais painéis instalados, ao lado da Espanha. “Roraima e Pará poderiam utilizar a eólica. A energia gerada seria quatro vezes maior do que de qualquer das UHEs que estão sendo construídas no Madeira. Isso sem falar na biomassa", explica. Além disso, em UHEs muita gente trabalha por pouco tempo, o que não acontece no caso de energias renováveis, pois é preciso manter a mão de obra em toda a cadeia.
(Por Karina Miotto, Blog Telma Monteiro, 29/09/2010)