Sessenta e cinco organizações enviaram um documento ao governo brasileiro com várias recomendações para as negociações na 5ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena (MOP-5) e 10ª Conferência das Partes da Convenção de Diversidade Biológica (COP-10), que acontecem no próximo mês no Japão. As recomendações foram debatidas durante a Plenária Nacional realizada nos dias 15 e 16 de setembro, em Brasília, e encaminhadas ao Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty, Ministério responsável por estabelecer consenso nacional entre os demais ministérios e setores da sociedade civil para as negociações de Nagoya.
A COP MOP deste ano irá reunir representantes de cerca de 170 países para analisar o resultado das metas de preservação da fauna e da flora assumidas em 2002 e definir quais serão os próximos objetivos até 2020. Segundo o documento encaminhado pela sociedade civil ao Itaramaty, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que os países fracassaram com relação às metas de redução da taxa de perda da biodiversidade. Os dados são alarmantes.
Cerca de 150 espécies são extintas por dia em todo o mundo, afirma o Secretário da Convenção da Diversidade Biológica. Esta drástica redução da biodiversidade também se encontra na quantidade de culturas cultivadas para o consumo humano. Atualmente apenas sete variedades correspondem a 75% da alimentação mundial e a FAO denuncia que (1) bilhão de pessoas passam fome atualmente no mundo.
O governo brasileiro apesar de alguns números a seu favor, como a redução do desmatamento na Amazônia, não vem implementando ações efetivas contra a perda da biodiverisidade brasileira, ilustrada pela vergonhosa iniciativa de flexibilização das proteções do Código Florestal e anistia aos desmatadores. O descontrole da contaminação genética dos campos de milho convencional pelo milho transgênico, por exemplo, pode gerar danos irreversíveis ao patrimônio genético e cultural do país ao colocar em risco as variedades de milho crioulo melhoradas há séculos pelos pequenos agricultores familiares e camponeses. “Identificamos e denunciamos que o cercamento territorial e tecnológico dos agricultores, comunidades tradicionais e povos indígenas através da concentração de terras, principalmente por empresas transnacionais, e dos recursos biológicos transformados em mercadoria pela biotecnologia e por normas de propriedade intelectual, representam séria violação aos Direitos Humanos”, afirma o documento.
Uma das recomendações ao governo requer que o Brasil, um dos mais megadiversos do planeta, paute-se pelo princípio da precaução e pela conservação e uso sustentável da biodiversidade e não por interesses de mercado. “É inaceitável que a posição do Brasil se paute por interesses de mercado, subordinando a Convenção da Diversidade Biológica às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)”, afirma o preâmbulo do documento. A sociedade civil também denuncia que são as atividades econômicas de empresas transnacionais e nacionais e seus lobbies nos espaços de negociação de acordos internacionais e nacionais uma das causas mais fortes pelo fracasso coletivo com relação ao cumprimento das metas de preservação da biodiversidade.
As recomendações da sociedade civil abrangem diversos assuntos, como a necessidade do Brasil identificar as cargas que contém transgênicos; moratória e zoneamento ecológico antes de autorização de pesquisas com árvores transgênicas; manutenção da moratória às tecnologias de restrição de uso (as sementes conhecidas como Terminator) e às atividades com geoengenharia, como a fertilização de oceanos; aplicação do princípio da precaução à produção de agrocombustíveis; e ainda com relação às mudanças climáticas, recomendam que a conservação de florestas não sirva de licenças para as emissões do hemisfério norte.
Ainda receberam destaque as recomendações específicas com relação ao Regime internacional de Acesso e Repartição de Benefícios para que se garanta um regime efetivo de repartição dos benefícios oriundos do acesso aos recursos e conhecimentos tradicionais, em respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades locais. Também reafirmaram a necessidade de se estabelecer um regime de proteção sui generis ao conhecimento tradicional de acordo com os princípios da CDB e com os sistemas locais de regulação, os quais se distanciam em muito dos direitos de propriedade intelectual estabelecidos atualmente.
Com relação ao Protocolo suplementar ao Protocolo de Cartagena sobre a responsabilidade por danos decorrentes do comércio de transgênicos, as organizações e movimentos da sociedade civil manifestaram-se por um regime internacional forte e vinculante que estabeleça sistemas de acesso e exigibilidade para responsabilizar os operadores da tecnologia, como também que “normas nacionais rígidas sejam estabelecidas para que os custos com as medidas necessárias tomadas no caso de danos não recaiam sobre as sociedades nacionais, mas sobre os setores que lucram com a tecnologia, especialmente o operador-detentor da tecnologia.”
Esta é a primeira vez que a sociedade civil se organiza para estabelecer consensos e recomendar que o governo brasileiro defenda, em âmbito internacional, posições coerentes com as legislações nacionais e com o respeito aos direitos humanos, e os direitos dos povos indígenas e comunidades locais. As organizações e movimentos sociais mostram-se como atores nacionais e internacionais importantes para aperfeiçoar os mecanismos de participação democrática e exigibilidade de compromissos internacionais assumidos pelos Países, em especial na defesa dos direitos humanos e da conservação e uso sustentável da biodiversidade do planeta.
(Terra de Direitos, EcoAgência, 24/09/2010)