Eleger um dia para que as pessoas deixem o carro em casa, como propõe o Dia Mundial Sem Carro (22), não traz grande impacto do ponto de vista da poluição, mas estimula a reflexão sobre como tornar o deslocamento na cidade mais sustentável. É o que defende o ambientalista e consultor Lincoln Paiva, autor do blog Mobilidade Sustentável.
O Dia Mundial Sem Carro foi comemorado pela primeira vez em 1998, na França. Com o tempo, a mobilização se estendeu por países europeus e chegou a outros continentes. No Brasil, o evento ocorreu pela primeira vez em 2001 (veja aqui algumas atividades programadas para esta terça-feira).
"Quem faz opção por transporte alternativo e deixa o carro na garagem, não só evita a emissão de CO2, mas também de gases tóxicos responsáveis por matar cerca de 7.000 pessoas por ano", diz o consultor, que também é membro da Cities-for-Mobility, rede mundial de mobilidade urbana coordenada pela cidade de Stuttgart. Como ele afirma, nesta entrevista ao UOL Ciência e Saúde, é preciso mudar a mentalidade de que transporte público "é coisa de pobre".
UOL Ciência e Saúde: Quanto uma pessoa mediana emite por ano, em termos de CO2, com o uso do automóvel?
Lincoln Paiva: Um carro a gasolina 1.4, rodando 20 km por dia, emite entre 600 e 700 kg de CO2 por ano. Mas quem faz opção por transporte alternativo e deixa o carro na garagem, não só evita a emissão de CO2, mas também de gases tóxicos responsáveis por matar cerca de 7.000 pessoas por ano.
UOL Ciência e Saúde: Iniciativas como o Dia Mundial Sem Carro costumam trazer algum benefício real?
LP: O Dia Mundial Sem Carro é um dia para as pessoas pensarem em como elas poderiam contribuir com uma cidade mais sustentável sob o ponto de vista da mobilidade, não é um dia contra os automóveis. É possível planejar nossa mobilidade sem ter que depender do carro para tudo. Muitas pessoas utilizam o carro para fazer qualquer coisa, inclusive para realização de trajetos que poderiam ser feitos a pé. Outro fator e o status social: a maioria das pessoas tem o transporte público como coisa de pobre, o que nao deveria ser uma verdade. O transporte coletivo serve para diminuir o transito da cidade; utilizado com inteligência, é possivel melhorar a qualidade de vida das pessoas.
UOL Ciência e Saúde: Na sua opinião, a consciência para o problema e a busca por alternativas de mobilidade sustentável só vai ocorrer quando o uso do automóvel se tornar realmente inviável por causa do trânsito?
LP: Não, sempre haverá paliativos, alguém que vai querer lucrar com o trânsito e inventar algo para as pessoas fazerem quando estiverem no congestionamento, como aprender uma língua etc. Temos uma noção errada sobre mobilidade, é preciso entender que essa mentalidade é ultrapassada e que o trânsito é uma questão de escolha pessoal.
UOL Ciência e Saúde: Você é favorável à implementação de impostos ou pedágios urbanos para desestimular o uso do carro?
LP: Ao pedágio urbano, não. Sou favorável a trabalhar o gerenciamento da demanda de transportes. Com inteligência é possível desestimular o uso do carro. É preciso trabalhar o conceito de bairros compactos e levar desenvolvimento para os bairros populosos, para que as pessoas evitem ter que procurar empregos, escolas e lazer no centro da cidade, assim como têm feito muitas cidades do mundo como Portland, nos EUA. Lá, as pessoas tem acesso ao trabalho e a bens e serviços em até 20 minutos de caminhada. Sou favorável à taxa de congestionamento: se a pessoa insiste em trafegar nos horários de pico, deve pagar mais por isso. Afinal, hoje quem mais paga pelo trânsito é a população que não tem carro, pelo impacto da poluição à saúde. Também sou a favor da politica do poluidor pagador: quanto mais o carro emite de poluição, mais ele deveria pagar de imposto. Também defendo que se aumente o IPVA de carros mais antigos, que geram mais poluentes.
(UOL, 22/09/2010)