Mudança climática. O Peru é o país que mais sofre com o aquecimento global no mundo. O Equador não fica atrás. Sobe a temperatura, as geleiras estão derretendo, mas há repentinas quedas de temperatura. Ameaça plantações e estilos de vida milenares.
Gumercinda Catunta faz tempo que anda com a intenção de “semear e colher chuva”. Mas quando vai pedir ajuda às autoridades de Pampamarca obtém sempre a mesma resposta: não há recursos.
Gumercinda repete seu pedido na praça do povo da província de Cuzco, no Peru. Ela tem 41 anos, três filhos e está parada sob o monumento que recorda que estas terras são as de Tupac Amaru e de sua companheira, Micaela Bastidas.
São as terras que fazem parte do país que mais sofre os efeitos da mudança climática no mundo e onde nem a ajuda do Estado nem dos países responsáveis pelo aquecimento global chega.
A mais de 3.800 metros acima do nível do mar, a falta de água, a retração das geleiras, as temporadas de estiagem, as repentinas quedas de temperatura, as épocas de chuvas cada vez mais curtas e intensas, os frios cada vez mais frios e o calor cada vez maior são as manifestações mais concretas da mudança climática, essas variações do tempo atribuídas direta ou indiretamente à atividade humana.
Gumercinda fala enquanto uma banda de música se faz ouvir dentro da municipalidade deste povoado situado a cerca de duas horas do centro turístico de Machu Picchu e anuncia a saída de um casal de recém-casados seguidos por um enxame de parentes e amigos e uma nuvem de papel picado, a única nuvem que se vê a milhares de quilômetros.
A mudança climática ameaça a vida da maneira como foi vivida durante anos na região de Cuzco.
“Antes sabíamos quando semear porque começavam as chuvas. Antes havia três mananciais de onde tirávamos a água para regar. Eles já não existem mais, mas há novas pragas e as batatinhas estragam”, enumera Roberto Lazo, um dos moradores que participa de um projeto que envolve 6.500 famílias com a finalidade de buscarem formas de adaptação à mudança climática. A Associação Ararina está encarregada de transmitir 24 técnicas não poluentes orientadas a melhorar a produtividade do solo, o manejo da água e sua conservação.
“Há três anos que as temperaturas são tão frias que nossos filhos adoecem de coisas nunca vistas. Além de sofrer de desnutrição, morrem de pneumonia”, conta Gumercinda.
A cerca de duas horas de Pampamarca está Espinar, outra província peruana que faz parte da região de Cuzco. “Aqui o pasto não cresce como antes” e a Puna seca está cada vez mais seca.
A parte alta das montanhas que rodeiam as comunidades camponesas está marrom escuro. “Antes havia nevascas e geleiras, vastos pastos, mas sem gelo já não há água”, explica Adriano Paucara, um dos moradores.
O Peru e o Equador são os dois países da América Latina que têm geleiras tropicais, superfícies geladas entre o Trópico de Câncer e o de Capricórnio e que, segundo os estudos científicos, estão desaparecendo.
Para além da retração e do avanço destas massas geladas ser um processo natural, a intervenção humana modificou este ciclo. E sem glaciares não há água e sem água não há vida. Então, a luta pela água não é um vaticínio de ficção-científica. Um estudo de 2007 realizado pela Comunidade Andina prognostica que na América Latina as tensões em torno da água envolverão entre sete milhões e 77 milhões de pessoas.
E isso acontece no Peru, onde cidades como Espinar têm apenas duas horas diárias de água.
Este país já perdeu 40% dos blocos gelados nos últimos 30 anos e quase a mesma proporção se derreteu no Equador. Os dois países estão entre aqueles destinados a receber o fundo de compensação e para a adaptação à mudança climática lançado na Cúpula de Copenhague. Mas pouco se avançou.
Os fundos serão o tema de dezembro próximo durante a Conferência de Cancún. Mas, por enquanto, nem o dinheiro nem as negociações chegam a estas terras altas dos Andes. Apenas os camponeses, as Ongs e a cooperação internacional.
Adriano Paucara é um dos poucos que já semeia e colhe chuva. Graças a fundos da Oxfam a Ong regional Associação Projeção construiu um reservatório de água e um sistema de irrigação por aspersão que faz com que sua parcela seja um ponto verde entre tanto seco. Um modelo que procura copiar outros povoados.
A 4.400 metros, em Camanoccla, há seis meses está sendo copiado. “Não há pasto como antes. O sol queima como nunca. Antes caminhávamos a pé descalço, mas agora precisamos de calçados. Há frios repentinos que acabam com as plantações. Vêm furacões e doenças para as crianças”, conta um dos moradores da comunidade formada por 500 famílias. Neste ano, “30 anjinhos foram ao céu. Não suportaram o frio e a pneumonia que antes não havia, mas que agora existe”.
(Por Silvina Heguy, Clarín, tradução Cepat, IHU-Unisinos, 21/09/2010)