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propriedade rural
2010-09-21 | Tatianaf

Consulta nacional organizada pela sociedade civil captou a opinião da população brasileira sobre a necessidade de limitar a propriedade da terra. Resultado será divulgado em plenária marcada para 18 e 19 de outubro

Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil devem ter um limite máximo de tamanho? Você concorda que o limite das grandes propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade?

Essas duas questões foram apresentadas a população brasileira pelo Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, entre os dias 1º e 12 de setembro. Articulado pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA) e por outras organizações que fazem parte da iniciativa, a campanha nacional propõe que a Constituição Federal estabeleça um limite máximo de área de 35 módulos fiscais - unidade que serve de parâmetro para a classificação de tamanho e varia conforme as características de cada município - para os imóveis rurais. A Lei nº 8.629, de fevereiro de 1993, considera grandes propriedades imóveis acima de 15 módulos fiscais.

"Percebemos que só as lutas diretas [ocupações, caminhadas e manifestações] não são suficientes. A sociedade precisa estar ciente de que o limite da propriedade tem relação com um projeto de desenvolvimento para o país", avalia Gilberto Postes de Oliveira, secretário-executivo do FNRA. "O plebiscito é a oportunidade de mostrarmos ao público em geral que o tema [limite da terra] tem relação com outros problemas que a sociedade enfrenta como a violência e a superpopulação nas periferias das cidades".

O plebiscito ocorreu nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Plenárias e discussões abertas acompanharam a votação. "Participaram, em média, cerca de 90 pessoas em cada plenária, e a maioria não era de movimento social ligado à luta pela terra. Em muitos casos, escolas enviaram estudantes que fizeram trabalhos escolares sobre o tema", relata Gilberto.

De acordo com as organizações engajadas na campanha, a inclusão do limite das propriedades de terras em até 35 módulos fiscais na Constituição poderia disponibilizar mais de 200 milhões de hectares para famílias sem-terra que hoje estão acampadas, sem necessidade de despender recursos públicos para a indenização dos que se apresentam como proprietários.

Para Nelito Dorneles, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entidade da Igreja Católica que apóia a campanha nacional, o limite da terra é central para que o país consiga fazer valer um dos objetivos fundamentais da República que é a erradicação da pobreza.

A pequena propriedade familiar, sublinha Nelito, responde pela produção da maior parte de alimentos que chega à mesa dos brasileiros: praticamente toda a produção de hortaliças, 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% dos suínos e 50% das aves. "Além do mais, há casos em que as grandes empresas latifundiárias lançam mão de relações de trabalho análogo à escravidão".

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que em 1890 o Brasil possuía 14 milhões de habitantes e apenas 6,8% da população vivia nas cidades, em 2002 este número passa para mais de 80%, com mais de 50 milhões de pessoas vivendo nas regiões metropolitanas.

"O efeito desta expulsão dos pobres do campo contribuiu para a consolidação de enormes latifúndios e tem impacto sem precedentes, com um enorme processo de favelização, expansão horizontal das periferias, formando um verdadeiro cinturão de miseráveis no anel periférico das cidades e regiões metropolitanas do país", avalia Gilberto, do FNRA. "O problema não acaba com o fim do plebiscito, nós queremos materializar toda a experiência em uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o limite da terra [um abaixo-assinado está disponível para adesões no site da campanha]. Queremos chegar ao Congresso, mas para isso precisamos do apoio popular".

O resultado do Plebiscito Popular será divulgado nos dias 18 e 19 de outubro, em plenária que reunirá representantes dos estados em Brasília (DF). 

Pará
Nos últimos 25 anos, mais de 1,5 mil trabalhadores foram assassinados em decorrência de conflitos fundiários. A média anual de famílias expulsas de suas terras foi de mais de 2,7 mil. Só no último mês de agosto, mais de 200 famílias foram despejadas em Santana do Araguaia (PA). Para o frei Henri des Roziers, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Xinguara (PA), agosto foi um dos mais meses mais violentos no estado do Pará.

O primeiro despejo ocorreu no Acampamento "Pé da Serra", dentro do Projeto de Assentamento Colônia Verde Brasileira, no dia 3 de agosto. "Eram cerca de nove pistoleiros, comandados pelo fazendeiro João Alves Moreira. Eles agiram de maneira violenta e ilegal, com ameaças de morte, tiroteios, xingamentos e agressões físicas", relata frei Henri. Ao todo, 39 famílias que estavam no local há cerca de dois anos foram expulsas.

A operação foi executada sem ordem judicial. As vítimas registraram ocorrência na Polícia e protocolaram representação criminal junto ao Ministério Público. Pressionam ainda o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para agilizar a retomada da área, que é pública.

Em 18 de agosto, 200 famílias foram despejadas, por ordem judicial, das Fazendas Ouro Verde e Vitória Régia, propriedades de Vitório Guimarães. As famílias estavam na área há quatro anos.

Dois dias depois, foi expedida ordem judicial de reintegração de posse referente à Fazenda Nobel e as famílias tiveram que deixar o local. De acordo com a CPT, a área foi decretada de interesse social para fins de reforma agrária, em dezembro de 2009. Tramita no Incra de Marabá (PA) processo de desapropriação da área, reivindicada pelas famílias há quatro anos.

Esses três grupos despejados estão acampados na beira das estradas de Santana do Araguaia (PA). Frei Henri esteve com as famílias despejadas e disse que a situação é crítica, pois as famílias não dispõem de estrutura alguma. Há escassez de água e comida. "A responsabilidade do Incra é muito grande nisso. O órgão não tomou as providências necessárias para evitar isso e nem está tomando para resolver a situação", declara.

"Na Fazenda Cristalino, também está prestes a ocorrer um desfecho violento. Parte da fazenda é um assentamento e outra parte foi ocupada por famílias que compraram terrenos. São cerca de 600 famílias. Uma terceira parte tem 28 fazendeiros que ficam aterrorizando as famílias para saírem. Há muitas ameaças, Inclusive casas já foram queimadas. Grupos armados chegam até a extorquir dinheiro das famílias", denuncia frei Henri.

A situação da região refletiu durante o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, de acordo com Ana de Souza Pinto, da CPT de Xinguara (PA). O índice de votação foi baixo. "Em uma região como essa, polarizada sempre entre fazendeiros e trabalhadores, é muito difícil discutir a questão. Tivemos reações ríspidas nos locais onde colhíamos os votos. Mas o objetivo era contribuir para o debate e desconstruir esse imaginário popular de que é normal ter concentração de terra", explica Ana.

Conflitos
No início deste mês, a CPT divulgou o balanço parcial dos conflitos da terra relativos ao 1º semestre de 2010. Mesmo sem a contabilização dos três despejos ocorridos em agosto no Pará, o documento traz outros dados preocupantes em termos de ameaças e violações de direitos no meio rural.

Apesar da redução numérica dos conflitos por terra, ocupações e acampamentos (365 ocorrências envolvendo 33.143 famílias, em 2010, em comparação às 547 ocorrências envolvendo 47.739 famílias, no mesmo período de 2009), o balanço evidenciou a concentração (54%) no Nordeste, palco de quatro assassinatos (um a mais que na 1a metade de 2009).

Registros nas Regiões Sudeste e Sul, as mais ricas do país, também chamam a atenção. No Sudeste, 11 trabalhadores rurais foram presos e 15 agredidos (no 1º semestre de 2009 foram três e quatro, respectivamente). Nos estados que fazem parte do Sul, 12 foram encarcerados e 20 sofreram agressão (em contraste com 12 presos e dois agredidos de janeiro a julho de 2009).

Houve ainda crescimento de despejos nas Regiões Sudeste (de nove para 12), Sul (de 5 para 11) e Centro-Oeste (de quatro para cinco ocorrências), área de forte expansão do agronegócio. Também no Centro-Oeste aumentaram os flagrantes de trabalho escravo. Foram 21 fiscalizações que libertaram 526 trabalhadores entre janeiro e julho de 2010. No mesmo período em 2009, foram 16 operações e 259 libertados. De modo geral, o número de ações relativas ao combate ao trabalho escravo caíram de 134 (4.241 trabalhadores libertados), em 2009, para 107 (1.963 libertados), em 2010.

No país como um todo, cresceu ainda o número de conflitos por água: de 22 (20.458 famílias), no 1º semestre de 2009, para 29 (25.255 famílias), no mesmo período de 2010. Também subiu o número de manifestações por conflito de terra. Em 2010, foram 385, com envolvimento de 165.530 pessoas. No 1º semestre de 2009, foram 323 (104.262 participantes).

(Por Bianca Pyl e Maurício Hashizume, Repórter Brasil, 20/09/2010)


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